Artigo de: Sebastião Renato Valverde[i], Aléxia Penna Barbosa Diniz[ii] e Felipe Corrêa Ribeiro[iii]
Neste pouco mais de meio milênio do Descobrimento, só agora, após 35 anos das políticas de incentivos do período de 1966 a 1988, o Brasil se tornou a potência silvicultural. Apesar da maior floresta tropical do mundo, o país, de florestal mesmo, tinha só o nome oriundo do Pau-Brasil, pois o setor primário produtivo predominante sempre foi a agricultura. Embora hoje o florestal já contribua com parcela mais significativa nos macros indicadores sociais e econômicos do país.
Salta aos olhos ver que o Brasil, outrora detentor de pequenas, poluidoras e ineficientes fábricas de celulose e importador de papel, se tornou, em pouco mais de 60 anos, o segundo maior produtor e primeiro exportador de celulose de fibras curtas e que, em breve, será seguido pelo Mato Grosso do Sul que desbancará países tipicamente florestais (Finlândia e Suécia) que, até a primeira década deste século, foram players neste mercado.
Nesta mesma toada da indústria de celulose, mas não em quantidade e, sim, em qualidade ambiental, o carvão vegetal usado nas siderúrgicas para a termorredução do minério de ferro, que antes da década de 1970, advinha da Mata Atlântica e do Cerrado, a partir deste milênio, praticamente, vem todo de florestas plantadas, tornando o Brasil, orgulhosamente, único país do mundo a produzir ferrogusa, ferroligas e silício metálico com biorredutor renovável e, sabe lá Deus como, a custo competitivo com seus concorrentes internacionais que queimam diariamente milhões de toneladas de carvão mineral.
Além desta diferenciação das siderúrgicas e metalúrgicas brasileiras a carvão vegetal, boa parte das indústrias do país já utiliza biomassa florestal (lenha e cavaco) como insumo energético, propiciando uma produção limpa e sustentável a custo operacional equivalente a um terço do custo quando se usa o mais barato dos derivados do petróleo (óleo BPF).
Assim, enquanto nos países ricos a preocupação com as mudanças climáticas continua no campo da retórica, tendo inclusive aumentado o consumo de carvão mineral e petróleo, no Brasil florestal a descarbonização acontece de fato e de forma consciente e competitiva.
Esta mesma evolução tecnológica e competitiva que ocorreu na produção de celulose, de carvão vegetal e da biomassa energética, também ocorreu para a madeira serrada, para os painéis reconstituídos e para os laminados e compensados que passaram a processar madeira oriunda de plantações florestais.
Apesar de toda esta inigualável e sustentável evolução florestal, a silvicultura brasileira é refém dos excessos burocráticos de regramentos e instrumentos de comando e controle, alguma das vezes fundamentados em críticas mais evasivas do que contundentes, quando não embasados em mitos e crendices. Mesmo reconhecendo que eles, embora tenham dificultado o setor florestal, também foram, por tabela e como efeito colateral, responsáveis pela silvicultura mais evoluída e sustentável do mundo, quando comparado com o que ela foi no início dos incentivos, mesmo tendo seguido o que preconizava a legislação da época.
Sob este aspecto, é fundamental considerar o momento histórico em que a atividade começou seu período de consolidação no Brasil até atingir o patamar atual. Investiu-se não apenas em um projeto florestal, mas sim em um de nação florestal, visando desenvolver a ideia de um País como potência também em reflorestamento, além da vastidão de suas florestas naturais.
Desta forma, o que de fato aconteceu e que alavancou a silvicultura foi a criação da Política de Incentivos Fiscais ao Florestamento e Reflorestamento (Fiset- FR), em 1966 visando evitar a pressão sobre as matas naturais utilizadas inicialmente para produção de carvão e de madeira serrada. Além desta política, implantou-se o Programa Nacional de Desenvolvimento (PND) na década de 1970, para a formação das grandes siderúrgicas e indústrias de celulose para concorrer com as dos países escandinavos, do Canadá e dos EUA.
Praticamente, o setor florestal brasileiro (SFB) se metamorfoseou com a política do Fiset-FR e do PND. Os poucos reflorestamentos de antes visavam atender a demanda de dormentes e energia para o transporte ferroviário, de taninos para os curtumes e de borracha para as indústrias de pneumáticos.
Os gêneros florestais que mais se destacaram com a política foram Pinus e Eucalyptus, devido a taxa de crescimento, a boa qualidade da madeira e a adaptabilidade ao clima e ao solo das regiões sul e sudeste. Mesmo assim, os reflorestamentos implantados neste período apresentavam baixas produtividades comparadas com as atuais, decorrência da falta de conhecimento e pesquisa sobre a cultura, na escolha das espécies e nas técnicas de implantação, além de falhas na política, na legislação, na fiscalização etc. Mesmo assim, felizmente, estes gêneros se adaptaram tão bem no Brasil e, graças ao avanço tecnológico, apresentam produtividades até dez vezes maiores que as dos competidores internacionais.
Este rápido crescimento das plantações florestais confere ao país uma vantagem competitiva invejável devida, além da tecnologia silvicultural e condições edafoclimáticas, mas também a vasta extensão territorial, mão-de-obra, infraestrutura e capacidade gerencial produtiva. Isso transformou o país em uma potência produtiva apta a exportar, não apenas os produtos da silvicultura, mas a atividade intelectual por trás dela.
Apesar destas virtudes, no entanto, naturalmente alguns erros ocorreram. Dado o desconhecimento com relação à atividade de silvicultura da época, tiveram-se algumas falhas perdoáveis. Plantaram-se espécies florestais incompatíveis com as condições edafoclimáticas da região e para a destinação da madeira. Além disso, do ponto de vista da produção florestal, dada a sua natureza de longo prazo, baixa rentabilidade, limitada atratividade financeira, baixa relação entre preço e peso específico da madeira, bem como a necessidade de um investimento inicial substancial, as empresas se viram obrigadas a estabelecer grandes extensões de áreas florestais, como reflexo legal do autossuprimento.
Além destes problemas técnicos e econômicos, a partir da década de 1980 as questões ambientais e sociais ganharam força, impactando o setor primário. Nos aspectos ambientais associaram ao reflorestamento, principalmente com o gênero Eucalyptus, o consumo exagerado de água e consequente redução do nível do lençol freático, o empobrecimento do solo, o afugentamento da fauna e a contaminação do ambiente pelo uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Nos sociais, os maciços florestais dificultavam a coexistência e proximidade de outros produtores e consumidores de madeira, eliminando as possibilidades de concorrência e ajustes nos preços dado o monopólio natural das empresas nas suas regiões de atuação, tornando a atividade menos valorizada e eliminando o interesse dos produtores rurais em investir nos projetos de reflorestamento.
Embora inevitáveis, dado o obscurantismo da época, com o avanço tecnológico e o domínio da ciência e das práticas silviculturais, tais problemas e impactos do passado foram solucionados ou, no mínimo, minimizados. Agora, com o know-how adquirido é possível replicar em outras regiões ou países a política de incentivos ao reflorestamento de forma sustentável, sem as consequências apontadas no passado.
Hoje, há quase seis décadas de avanços das pesquisas pós Fiset-FR e PND, conhece-se não só as melhores espécies florestais para cada situação edafoclimática e destinação da madeira, mas também “cria-se” clones para dadas circunstâncias ou objetivos.
Aparentes problemas ambientais atrelados ao reflorestamento, sobretudo na relação solo-água-planta, embora controversos, já são contornados por técnicas de manejo. Atualmente as empresas buscam minimizar e tornar o uso de defensivos e fertilizantes cada vez mais eficientes, além de ter os seus maciços florestais ladeados de áreas protegidas com matas naturais, seja de Reserva Legal (RL), de Preservação Permanente (APP) e as de corredores ecológicos. Há também o monitoramento constante das bacias hidrográficas, a construção de barraginhas nas propriedades visando aumentar a infiltração das águas de chuvas e preservar as nascentes e o nível do lençol freático.
Os avanços da ciência do solo possibilitam as operações da implantação e manutenção florestal de mínimo impacto e a redução no consumo de fertilizantes com o aumento na produtividade das florestas. Isso porque a gestão florestal por meio dos programas nutricionais leva em consideração as condições dos sites, a expectativa de produtividade e a espécie a ser plantada.
Além dos mosaicos de paisagens das áreas de plantio junto das de proteção, o ordenamento territorial, a regulação e a definição da rotação florestal permitem a melhor condução da floresta. As operações florestais, principalmente a implantação e a colheita/transporte, que outrora ocorriam intensivamente em curto espaço de tempo, agora é diluída ao longo dos anos da rotação/ciclo florestal.
O retorno da fauna é mais um aspecto positivo associado ao reflorestamento. Por se estender por um longo período, durante a fase de manutenção florestal, que ocorre após o plantio e antes da colheita/transporte, as áreas em questão vivenciam uma reduzida movimentação de máquinas e pessoas. Isso faz com que essas áreas, juntamente com as protegidas (APP e RL) e corredores ecológicos integrados ao reflorestamento, tornem-se verdadeiros refúgios para a fauna.
Outras críticas ferrenhas associadas aos reflorestamentos referem-se à contaminação dos solos e da água devido ao uso excessivo e indiscriminado de defensivos químicos. Acontece que avanços tecnológicos e de manejo do controle e do combate a pragas, doenças e matocompetição foram marcantes e hoje, inclusive, algumas pragas são eliminadas pela técnica do controle biológico.
A proteção contra pragas, doenças e plantas daninhas são preocupações monitoradas constantemente dado que comprometem o investimento florestal. Quando inevitável, o uso dos agrotóxicos é a opção que resta para os reflorestamentos, considerando a segurança em sua aplicação e os cuidados com a água, solo e comunidades do entorno. A aplicação deles segue orientações técnicas e legislação específica, além de serem considerados sua seletividade, efeito residual e mecanismos de ação. As embalagens dos defensivos, a limpeza e manutenção de aplicadores e a proteção da equipe são preocupações rigorosas nas empresas. Outro ponto positivo é, novamente, o mosaico de plantações com as áreas protegidas que garantem uma faixa de proteção ao defensivo aplicado.
Do ponto de vista dos impactos sociais, o problema está mais relacionado com à dificuldade de inclusão do produtor rural na atividade florestal do que à geração de empregos. A atividade florestal, por sua própria natureza e mais que a agricultura, é intensiva em trabalho mesmo quando praticada em áreas planas onde é possível mecanizar quase todas as grandes operações, exceto a fase do plantio.
Até o Fiset-FR, poucos empregos eram gerados. Além disso, não havia interesse por parte dos produtores rurais de investir em projetos de reflorestamento, devido ao hiato sobre a economia e o mercado de madeira, a possível baixa rentabilidade, ao longo prazo de maturação e aos riscos e incertezas inerentes a quaisquer atividades de longo prazo.
Devido à inexistência de um mercado de madeira sob competição perfeita, circunstancialmente o setor florestal brasileiro (SFB) cresceu-se de forma concentrada e verticalizada. Ele se resumia em poucas e grandes indústrias de celulose e painéis que se responsabilizaram pelo plantio de suas próprias matérias primas florestais. Mas, independentemente a tudo isso, graças a esta política, o Brasil é respeitado mundialmente no mercado florestal e, praticamente, único que se dá ao luxo de ter a madeira de plantações na matriz energética industrial.
Assim, considerando que o SFB é referência no mundo por suas empresas certificadas por padrões internacionais ISOs e FSC, além de terem internalizados os conceitos de ESG e mostrando uma alta dedicação com o dever de casa da sustentabilidade social, econômica e ambiental, é inegável que as críticas são recebidas com sabor amargo. Ainda assim, os técnicos, os pesquisadores e professores, quando informados delas, jamais se eximiram de buscar entendê-las, debruçando sobre elas até desvendá-las e solucioná-las.
Em que pese certa revolta com as críticas, não tem dúvidas de que o SFB cresceu e ficou melhor, mas cabe questionar que, se elas fossem menos ácidas e mais moderadas, o setor seria ainda mais forte? Principalmente para as siderúrgicas e metalúrgicas a carvão vegetal. Talvez a sustentabilidade da produção já teria ganhado os devidos créditos. Afinal, que país do mundo tem condições de produzir ferrogusa, ferroligas e silício metálico sustentável?
De qualquer forma, justas ou não, elas não podem travar o progresso, sobretudo num país carente como o Brasil. Há gente esperando uma mínima oportunidade de emprego que poderia ser criada caso não houvesse tanto obstáculo ao progresso florestal. Por todos os defeitos que o nascedouro da silvicultura possa ter, foi fundamental ela ter nascido. Nenhuma cidade e região ficou pior com a silvicultura. Que o diga as regiões carentes e que tinham os piores IDHs antes dela, como no norte do Espírito Santo, no sul da Bahia, no Jequitinhonha e Norte de Minas, em Imperatriz no Maranhão, e no leste do Mato Grosso do Sul.
Tudo isso explica uma certa indignação contra a criação e promulgação de leis municipais que pipocam no Brasil proibindo indiretamente o plantio de eucalipto e embargando às suas colheitas via ações civis públicas embasadas em críticas sanadas pelo setor, mas ainda abraçadas pela Justiça.
Há de saber que, assim como os plantios de soja, milho, feijão e arroz são para produzir grãos e a cana-de-açúcar para etanol e açúcar sob “pivô central”, o pinus e o eucalipto são para produzir fibras sob “balde d´água”. Entretanto, sem demérito e hipocrisia à agricultura, a questão é saber se tais grãos e a cana-de-açúcar produziriam viavelmente nas condições de solo e clima adversos em que estas espécies florestais sobrevivem e produzem eficientemente.
Óbvio que culturas agrícolas são indispensáveis, mas não há como ignorar a necessidade das florestais em nossa vida. Não queira imaginá-la sem os papéis tissues, principalmente o higiênico (famoso PH) que tiveram suas demandas e as das embalagens alavancadas com a pandemia do covid.
As políticas direcionadas ao setor de floresta plantada ainda não lograram em pacificar a relação setor florestal com populações e grupos locais, o que gera a judicialização das pautas associadas ao setor, sem que haja a resolução de conflito de modo a equilibrar o interesse das partes. O conflito e a judicialização do mesmo mostram-se barreiras ao avanço da atividade florestal no Brasil e trazem desafios para os profissionais da área além dos problemas cotidianos impostos pela atividade. Questões legais e políticas passam assim a ter a mesma importância que os problemas técnicos e operacionais.
Não se trata de endeusar a silvicultura ou tratá-la como grande vilã, mas sim sobre saber que ela é derradeira para regiões montanhosas e áreas degradadas preteridas pela agricultura, gerando emprego e renda sem concorrer com a produção de alimentos. Tem-se a consciência de que as plantações florestais mal manejadas são tão ruins quanto as pastagens degradadas que elas substituíram, mas aí o problema não é com as plantas e, sim, com o homem.
Enfim, as plantações florestais foram introduzidas no Brasil para diminuir o consumo da madeira nativa e para potencializar o desenvolvimento da celulose e das regiões carentes da época. O eucalipto não veio para cá com vontade própria e nem veio direto da Oceania. Fez conexão em Portugal em meados do séc. XIX onde foi experimentado antes de vir para cá no início do séc. XX. E aqui, foi plantado para produzir madeira e, não para produzir água, nem alimentos ou enriquecer o solo, embora, se bem manejado, pode aumentar o nível do lençol freático, virar refúgio de fauna e melhorar as condições físicas e químicas do solo.
É paradoxal saber que muitos dos que criticam às plantações das exóticas sugerindo plantio de espécies nativas, são os que apoiam a criação de leis tornando imunes de corte as espécies nativas potenciais, tal como a araucária que poderia, guardada as devidas proporções de crescimento, substituir o pinus.
Finalmente, não que o setor florestal brasileiro seja masoquista, mas há que reconhecer que as “pedradas” que recebeu no caminho e as políticas do Fiset-FR e do PND os fizeram pujante.
[i] Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), valverde@ufv.br.
[ii] Alexia Penna Barbosa Diniz, Bacharela em direito pela Universidade Federal de Viçosa e mestranda no DEF/UFV, alexia.diniz@ufv.br
[iii]Felipe Corrêa Ribeiro, Engenheiro Florestal, Mestre e Doutorando em Ciências Florestais na Universidade Federal de Viçosa. felipe.c.ribeiro@ufv.br