Supremo Tribunal Federal ratifica que não configura retrocesso ambiental a instituição de licenças ambientais de regularização e por adesão e compromisso (LAC)
Por: Leandro Mosello – Sócio fundador e diretor das áreas Ambiental e Corporativa da Mosello Lima Advocacia.
“Situam-se no âmbito normativo concorrente e concretizam o dever constitucional de suplementar a legislação sobre licenciamento ambiental à luz da predominância do interesse no estabelecimento de procedimentos específicos para as atividades e empreendimentos do Estado da Bahia”. Com esta passagem o Ministro Dias Toffoli proferiu seu voto, que foi acompanhado pelos demais integrantes do STF, julgando improcedente a ADI 5014 que buscava a declaração de inconstitucionalidades de alteração da Lei da Política Estadual do Meio Ambiente da Bahia, que instituiu duas novas modalidades de licença ambiental (de regularização – LR e por adesão e compromisso – LAC) e alterou a competência do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM, sob a alegação de violação ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental por suposta limitação quanto à participação popular por meio de audiências públicas.
É consolidado o entendimento do STF “no sentido da inconstitucionalidade formal e material de normas estaduais que estabelecem modalidade de licença ambiental menos protetiva ao meio ambiente ecologicamente equilibrado do que aquelas previstas na legislação nacional”, como registrado pela Ministra Carmem Lúcia em seu voto no julgamento da ADI 5014, porém, válido reproduzir a ressalva feita a tal entendimento pela mesma: “Essas peculiaridadesenfatizadas nas normas objeto da presente ação direta fazem com que a análise do caso conduza à conclusão de que o legislador baiano não teria exorbitado de suas atribuições e invadido a competência legislativa privativa da União para editar normas gerais em matéria ambiental, nem contrariado o dever constitucional de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Ou seja, o que, de fato, o STF consolidou é que é constitucional o estabelecimento de modalidades de licenciamento ambiental pelos Estados, residindo tal feito no âmbito da competência legislativa concorrente dos Estados e Distrito Federal, prevista no art. 24, incisos VI e VIII da Constituição Federal, quando tais modalidades são vinculadas a condições específicas, sem aplicação geral e abstrata, desvinculada da definição de portes, potenciais poluidores e requisitos que motivem a especificidade, demonstrando que não se trata de renúncia à governança pela Administração Pública, mas, na realidade, ao aperfeiçoamento da gestão pública ambiental.
Este entendimento não é isolado na ADI 5014, sendo constado expressamente no julgamento da ADI 6808, ADI 5312 e ADI 6288, que conjuntamente dispõem que não é vedada a instituição de regimes simplificados de licenciamento ambiental, incluindo até a possibilidade de automatização de emissão da licenças ambientais, o que enseja a constitucionalidade, por exemplo e no caso da ADI 5014, da “LAC” (Licença por Adesão e Compromisso), que no Estado da Bahia se constituiu exemplo de correspondência precisa ao entendimento da Corte Suprema.
Isto porque, a LAC, nos exatos termos do art. 45, inciso VIII da Lei Estadual nº 10.431/2006, é “concedida eletronicamentepara atividades ou empreendimentos em que o licenciamento ambiental seja realizado por declaração de adesão e compromisso do empreendedor aos critérios e pré-condições estabelecidos pelo órgão licenciador, para empreendimentos ou atividades de baixo e médio potencial poluidor”, determinando a norma baiana ainda que esta modalidade de licença ambiental se aplique nos casos “em que se conheçam previamente seus impactos ambientais” ou “em que se conheçam com detalhamento suficiente as características de uma dada região e seja possível estabelecer os requisitos de instalação e funcionamento de atividades ou empreendimentos, sem necessidade de novos estudos”, com o complemento de que o rol de empreendimentos e atividades são definidos pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEPRAM.
É fato, que o STF, não apenas nas ADIs citadas, em paralelo ao fortalecimento do princípio da vedação ao retrocesso ambiental, tem verificado a necessidade de se esclarecer o que pode ser caracterizado como “retrocesso ambiental”, sob pena de banalização de uso deste princípio que é uma construção jurisprudencial. É o que podemos também extrair do célebre julgado das ADC 042 sobre a constitucionalidade do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012), com destaque para o voto do Relator Ministro Luiz Fux, onde em múltiplas passagens destacou a “legitimidade constitucional do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental”.
O Poder Legislativo dispõe de legitimidade constitucional para a criação legal de regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput, da CRFB) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CRFB). Os artigos 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 da Lei n. 12.651/2012 estabelecem critérios para a recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com o tamanho do imóvel. O tamanho do imóvel é critério legítimo para definição da extensão da recomposição das Áreas de Preservação Permanente, mercê da legitimidade do legislador para estabelecer os elementos norteadores da política pública de proteção ambiental, especialmente à luz da necessidade de assegurar minimamente o conteúdo econômico da propriedade, em obediência aos artigos 5º, XXII, e 170, II, da Carta Magna, por meio da adaptação da área a ser recomposta conforme o tamanho do imóvel rural.
Logo, bem fez o Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a constitucionalidade dos dispositivos da Lei da Política Estadual do Meio Ambiente do Estado da Bahia, consolidando que são constitucionais regimes diferenciados e simplificados de licenciamento ambiental, o que em última análise implica em reconhecer que o dinamismo social e das formas de controle e governança ambiental, na realidade impõem à Administração Pública, sobretudo, aos Estados federados que se valham da competência legislativa outorgada pelo art. 24 da Constituição Federal para inovação e busca permanente para a eficiência no processo de licenciamento ambiental, que não pode ser visto como imutável, nem violador da vedação ao retrocesso ambiental, pela simples otimização de procedimentos.