Como startups brasileiras estão usando IA para prevenção de incêndios

Climatechs criam tecnologia para combater o fogo em áreas florestais com análise de dados. Usados no Pantanal e em Portugal, sistemas previnem o alastrar de chamas

O Pantanal enfrenta a pior onda de incêndios da história. De janeiro até julho, foram identificados 3,5 mil focos de fogo, que já consumiram quase 5% do bioma. Nesse mesmo período, a região passa pela seca mais grave dos últimos 70 anos.

Cientistas apontam que eventos extremos estão intensificados pela mudança climática e indicam que eles continuarão a acontecer com mais frequência. O que significa que, daqui para frente, o país terá que fazer mais do que apagar incêndios: terá que prever o fogo. A boa notícia é que não falta tecnologia para isso. 

A brasileira umgrauemeio, por exemplo, atua em 300 mil hectares do Parque Nacional do Pantanal. Em 2020, o fogo tomou mais de 90% dessa área do parque. Este ano, o indicador caiu para 5%. Como? Com inteligência artificial e previsibilidade. 

“A gente tem que começar a se adaptar à realidade da mudança climática. Não é mais uma questão de ‘se’, mas de quando esses incêndios de grande proporção vão acontecer. Precisamos estar preparados para isso”, afirma Osmar Bambini, cofundador e CIO da startup, que foi a primeira climatech brasileira a lidar com o gerenciamento de incêndios em áreas florestais.

Imagem aérea de incêndio no Pantanal (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

A partir de análise de sensores espalhados pelas áreas florestais, os sistemas de IA da empresa apontam a localização de focos de fogo, além de mostrar quais são os espaços para os quais as chamas tendem a se espalhar, o que dá rapidez à resposta, seja de brigadas estaduais, federais ou particulares.

A umgrauemeio não é a única no segmento, que conta com startups como a Quiron, que compara imagens de 20 satélites com camadas de dados.

Débora Ávila, a única mulher brigadista do Prevfogo/ Ibama em Corumbá (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Atualmente, o sistema mais utilizado pelo Centro Nacional de Prevenção aos Incêndios Florestais (Prevfogo) é o de monitoramento por imagens de satélites. Sem camadas de dados, inteligência artificial ou programas preditivos.

Muitas vezes, os satélites têm atraso de até 18 horas na entrega das imagens de alertas de incêndio. Tais fotos são, basicamente, imagens de fumaça ou de chamas. O que acende a urgência dos bombeiros e brigadas de incêndio.

Acontece que, no pantanal, nem sempre o fogo vem com fumaça. Não é incomum o fenômeno do “incêndio subterrâneo”, que queima na camada das raízes e do humus, abaixo do solo visível.

Brigadistas do Prevfogo/ Ibama combatem focos de incêndio nos arredores de Corumbá (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

“Às vezes, precisamos de cinco ou seis marcações que caracterizem incêndio para as brigadas agirem”, explica o coronel Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), organização que protege a vida selvagem do pantanal.

A inteligência artificial reduz o tempo de resposta de horas para alguns minutos, já que detecta as movimentações diferentes nas imagens, além de combiná-las com outros dados do ambiente, como temperatura e umidade do ar. 

Rabelo coordena brigadas de combate ao fogo em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, e explica que o principal desafio de lidar com incêndios de grandes proporções é a logística. O deslocamento das brigadas por terra demora até 12 horas. E ainda é necessário uso de helicóptero de grande porte para encontrar a localização exata dos pontos críticos de fogo.

‘MUITAS VEZES, OS SATÉLITES TÊM ATRASO DE ATÉ 18 HORAS NA ENTREGA DAS IMAGENS DE ALERTAS DE INCÊNDIO.’

De acordo com Bambini, custa seis vezes menos combater do que reagir ao incêndio – só uma hora de voo do helicóptero da Defesa Civil em área de chamas custa R$ 100 mil. “Imagine o custo de ficar horas combatendo. Isso sem contar as perdas materiais e para o ecossistema”, comenta.

UMA PANTERA DIGITAL NO PANTANAL

Corumbá, onde Rabelo atua, é a linha de frente de combate aos incêndios no pantanal. De 1985 a 2022, a cidade já perdeu uma área do tamanho da Bélgica para as chamas, indica o Mapbiomas. Nas últimas semanas, a área concentrou mais de 80% dos focos de calor da região pantaneira. 

Desde 2021, 300 mil hectares do Parque Nacional do Pantanal, localizado em Corumbá, são monitorados pela umgrauemeio. Chamado de Pantera, o sistema cruza informações tiradas de torres, com câmera de alta definição, com dados em tempo real do clima, como umidade relativa do ar, temperatura e velocidade do vento. 

“Quanto mais seco [o tempo], mais agressivos os incêndios serão”, explica Bambini. O Pantera dá sinais de alerta para momentos em que o clima aponta para maior probabilidade de uma fagulha virar chama. É um trabalho que vai para além das temporadas secas. 

Mesmo quando o fogo atinge grandes áreas, o Pantera ajuda a prever em qual direção as chamas vão, o que ajuda as equipes brigadistas. Nas últimas semanas, a companhia está mandando relatórios diários para a equipe multidisciplinar que combate o fogo no Mato Grosso do Sul.

Criada em 2016, a startup recebeu a primeira rodada de investimento externa só no ano passado. Foi um aporte de R$ 18,7 milhões, liderado pela Baraúna Investimentos, com participação do Indicador Capital e da Yield Lab Latam.

Atualmente, a startup monitora mais de 17,5 milhões de hectares de terra no Brasil, sendo 2,2 milhões de florestas, 7,8 milhões de áreas nativas e 7,5 milhões de agricultura, com 130 torres distribuídas por todos os biomas brasileiros.

DE SANTA CATARINA PARA PORTUGAL

Se a umgrauemeio olha para o ar, a Quiron monitora a terra. A startup de Santa Catarina tem uma plataforma que evita incêndios calculando a biomassa das regiões, além de indicadores de ocupação populacional da região e a análise material da vegetação.

“Monitoramos qual lugar que tenha mais combustível para um incêndio crescer”, explica Gil Pletsch, CEO da empresa. A Quiron analisa e cruza dados de mais de 20 satélites, além de contar com um algoritmo preditivo a partir dessas informações. 

Área monitorada pela Quiron (Crédito: Quiron)

A startup começou a partir das pesquisas do professor Marcos Schimalski, estudioso  de ciências geodésicas. Depois de dois anos de testes de modelos e pesquisa, a companhia saiu do papel graças ao investimento-anjo e apoio do fundo de inovação de Santa Catarina. 

A climatech iniciou as operações em 2020 e já monitora mais de 20 milhões de hectares pelo mundo. Como atuam analisando imagens de mais de 20 satélites, eles conseguiram escalar a operação para além do território brasileiro. Tanto que o seu maior mercado, no momento, é Portugal. 

‘O CUSTO DE PREVENÇÃO AOS INCÊNDIOS É SEIS VEZES MENOS DO QUE O DE REAGIR A ELES.’

O município português de Belmonte, por exemplo, usa o sistema da Quiron há 36 meses.  A cidade no centro de Portugal foi atingida por dois incêndios brutais, em 2010 e em 2018. Perderam mais de 700 hectares pelas chamas – quase 60% da área do município. Desde que o sistema Flareless, da Quiron, foi instalado, em 2020, nenhum grande evento desse porte atingiu a região. 

E não foi por falta de fogo, explica Pletsch. Por usarem o sistema, os bombeiros da cidade sabem quais são os locais com maior risco e alocam os recursos antes de as chamas atingirem grandes proporções. “Queremos trabalhar para que o incêndio não aconteça”, afirma.

FATOR IA x FATOR HUMANO

Umidade do ar, temperatura média, alterações no clima, particularidades do bioma, declividade do terreno, velocidade do vento, qualidade do solo e ocupação do território. Tudo isso influencia se uma chama pode se tornar ou não uma grande queimada. Esses são os indicadores analisados e contabilizados pelas climatechs. 

Nessa equação, no entanto, há um fator incapaz de ser controlado ou previsto pela inteligência artificial: o fator humano. 

De acordo com estudo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 84% dos incêndios iniciados no pantanal são causados por atividade humana. Além disso, são as pessoas, não a tecnologia, que decidem como os sistemas serão usados.

Imagem aérea de área queimada no Pantanal (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

De 2023 para 2024, mesmo com meteorologistas indicando que haveria seca extrema no pantanal e na Amazônia, houve queda de 24% no orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

“Era para ser um orçamento de R$ 120 milhões, pelo menos. Agora está em R$ 50 milhões. Não tem como combater incêndio no Brasil com isso. Precisa de uma movimentação mais enfática”, critica Bambini. 

Já Gil Pletsch, da Quiron, diz ainda não receber muitas mensagens de governos federais ou estaduais. A atuação da Quiron se dá em níveis municipais. Apenas no Chile a empresa fala com instâncias federais.

Informações: Fast Company.

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