Da desoneração fiscal ao setor florestal enquanto provedor de serviço ambiental

Artigo de Gabriel Elias

A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 27), que aconteceu em novembro do ano passado em Sharm El Sheikh (Egito), referendou o objetivo final das nações, que é a redução do desmatamento por meio do fomento à adoção de práticas sustentáveis pelo agronegócio. 

Desta recente assentada da COP, podemos destacar três linhas programáticas (matriz fundamental) vitais alcançar os demais objetivos, que são: 1) agricultura sustentável e adoção de práticas sustentáveis no agronegócio; 2) Mercado de créditos de carbono e a garantia de um futuro mais verde; e 3) Manejo sustentável das fontes de água potável e maneiras de garantir acesso amplo a esse recurso, com estratégias de combate à escassez e às secas [1].

Neste ímpeto, há que se lembrar o que já estabelecia nossa Constituição desde 1988, na forma do caput do artigo 225, ao dispor que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, ou seja, o dever imposto ao Poder Público e à coletividade para a defesa e preservação meio ambiente ecologicamente equilibrado comporta a atuação estatal, sobretudo na perspectiva normas indutoras ao comportamento almejado pelo cidadão e entidades privadas, por meio da adoção de programas e regulamentações que possibilitem a implantação de um Direito Ambiental retribuidor e premiador. 

Esta lógica (retributiva e remunerativa) foi inicialmente endereçada no bojo do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012), cujo Capítulo X dispõe sobre o “Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente”, ao estabelecer no artigo 41, inciso I, que o Poder Executivo federal poderá instituir programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, cuja linha de ação seja o “pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais (…)”. 

Neste contexto, exsurge a Lei da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei Federal nº 14.119/2021 – “Lei 14.119”) que se constitui como marco regulatório da temática, definindo conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios para sua implementação, em cujo artigo 2º, inciso IV,  que define o pagamento por serviço ambiental como sendo a “transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes”.

Consoante a Lei 14.119, serviços ambientais são atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, que, por sua vez, consubstanciam-se em “benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais”, nas modalidades de 1) provisão, 2) suporte, 3) regulação, e 4) cultural.

Pois, bem para os fins deste estudo, avançaremos sobre o conceito de “serviços de provisão” estabelecido pela Lei 14.119, assim considerado:

“Artigo 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
(…)
II – serviços ecossistêmicos: benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais, nas seguintes modalidades:
a) serviços de provisão: os que fornecem bens ou produtos ambientais utilizados pelo ser humano para consumo ou comercialização, tais como água, alimentos, madeira, fibras e extratos, entre outros;.”

Os serviços ambientais estão, portanto, vinculados a uma conduta humana, por isso a titularidade jurídica recaí sobre quem a exerce, ou seja, sujeitos com capacidade para adquirir direito e contrair obrigações, desenhando, sob o ponto de vista jurídico a transação do pagamento por serviços ambientais.

Nesta perspectiva, o setor de florestas plantadas, que reconhecidamente fornece madeira renovável para diversas indústrias e outros segmentos econômicos, desenvolve um efetivo serviço ecossistêmico de provisão. Assim, a atividade econômica individual de cada produtor rural (pessoa física ou jurídica) é qualificada como um efetivo serviço ambiental, mas remanesce com sua natureza jurídica de atividade rural, na forma do artigo 59 da Lei nº 9.430/1996, e do artigo 249 da Instrução Normativa RFB Nº 1.700/2017, por ser este serviço ecossistêmico de provisão a concretude da atividade de cultivo florestal, que hoje é desenvolvida por milhares de produtores rurais, que fornecem insumo e matéria-prima para diversas indústrias na cadeia produtiva, desde moveleira, celulose, e inúmeros produtos e aplicações derivados.  

É importante sublinhar, no que se refere ao particular de produtores rurais pessoa jurídica, que as regras expedidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, na forma do Pronunciamento Técnico CPC, conceituam ser possível definir um “ativo” como sendo um 1) recurso econômico, assim entendido um direito (portanto, intangível), vinculado e/ou decorrente de um bem, 2) controlado pela entidade, 3) como resultado de eventos passados, com potencial de produzir benefícios econômicos. 

A esse respeito, em Artigo que será disponibilizado nas próximas edições desta nossa revista, traremos uma análise da perspectiva de evidenciação contábil deste ativo, que é o serviço ecossistêmico lato sensu, com as variáveis pertinentes quanto ao serviço ambiental específico desenvolvido e a sua respectiva finalidade.

Retornando à temática central, que é desoneração fiscal aplicável ao setor florestal, cumpre-nos trazer à lume que com o intuito de fomentar o desenvolvimento de serviços ambientais no país, a Lei 14.119 estabeleceu o regime jurídico-tributário vinculado aos provedores serviços ambientais, com múnus constitucional de incentivo à preservação do meio ambiente para as futuras gerações, in verbis [2]:

“Artigo 17. Os valores recebidos a título de pagamento por serviços ambientais, definido no inciso IV do caput do artigo 2º desta Lei, não integram a base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).”

Conforme se depreende da norma, para o caso sob análise, a nossa Opinião é de que a receita auferida pelos produtores rurais que realizem o serviço ambiental consubstanciado no serviço ecossistêmico de provisão de madeira, oriunda de floresta plantada (efetiva matéria-prima renovável), estará abrangida pelo incentivo fiscal insculpido no referido artigo 17, restando, assim, a respectiva contraprestação fora do âmbito de incidência da Contribuição ao PIS e Cofins [3], bem como Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (“IR” – indistintamente, IRPJ e IRPF), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). 

Vale pontuar que o artigo 170 da Constituição elevou ao patamar constitucional a defesa do meio ambiente, consignando que tal vertente da República Federativa deverá ser alcançada “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental (…) dos serviços (…)”. Assim, ter-se-á o artigo 17 da Lei 14.119 como efetiva norma tributária indutora do comportamento do cidadão/contribuinte, que perite consignar a desejável e louvável neutralidade tributária, tocante ao IR/CSLL, PIS e Cofins, aplicável ao resultado auferido (lato sensu) pelo produtor rural com este serviço ecossistêmico de provisão, sem prejuízo da subsunção de outras regras tributárias (isenção e/ou imunidade) aplicáveis à subjetividade do Provedor (i.e., entidades sem fins lucrativos). 

Deveras relevante destacar, ainda, que a qualificação da atividade de cultivo florestal como serviço ambiental, não afasta a sua natureza jurídico-tributária como uma efetiva atividade rural, na forma do Artigo 59 da Lei nº 9.430/1996, e do artigo 249 da Instrução Normativa RFB Nº 1.700/2017, razão por que o produtor rural estará jungido a todo o arquétipo tributário aplicável à atividade rural, em adição à Lei 14.119, não havendo que se falar em qualquer antinomia neste desiderato. 

Pelo exposto, a receita auferida pelo produtor rural/florestal que seja vinculada, assim, ao serviço ecossistêmico de provisão de madeira oriunda de floresta plantada (cultivo florestal), aplicar-se-á a regra insculpida no artigo 17 da Lei Federal nº 14.119/2021, sobrepondo-se, esta regra, a qualquer outra norma que vá de encontro ao seu conteúdo, respeitando-se, decerto, a interpretação literal da norma, mas que dê a ela (norma) o alcance esperado e desejado pelo legislador. 

_________________________________

[1] Para mais informações, acessar o sítio eletrônico da COP 27: https://cop27.eg/#/

[2] Artigo 225. todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[3] Em nossa opinião, esta norma aplica-se indistintamente aos regimes cumulativo, estabelecido pela Lei nº 9.718/1998, e não
cumulativo, na forma das Leis nºs 10.637/20002 e 10.833/2003.

fonte: MoselloLima Advocacia

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