Enquanto as concorrentes Suzano, Bracell e Arauco concentram investimentos bilionários no MS, a companhia chilena percorre uma rota diferente e expande sua operação em território gaúcho, onde reúne mais de 1 mil propriedades e 500 mil hectares sob sua influência
A chilena CMPC, uma das maiores produtoras de celulose do mundo e dona da fabricante de papéis de higiene Softys, está dobrando a aposta no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, base de suas operações de celulose no país.
“Vamos ter o maior pólo de celulose no mundo. Em nenhum lugar do mundo, existem duas fábricas tão perto e produzindo em quantidades tão relevantes”, projeta Antonio Lacerda, diretor-geral de Celulose da CMPC no Brasil, em entrevista ao AgFeed.
A referência implícita na frase é para uma (saudável) disputa de gigantes com projetos bilionários de suas concorrentes Suzano, Arauco e Bracell, que têm concentrado seus megaprojetos em diferentes municípios da região de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul.
A CMPC, nesse caso, segue uma outra rota, que tem se mostrada acertada há alguns anos e deve continuar sendo percorrida por um bom tempo.
No ano passado, por exemplo, a companhia anunciou o Projeto Natureza, um investimento de R$ 24 bilhões a ser executado até o fim da década na cidade de Barra do Ribeiro, região metropolitana de Porto Alegre, com capacidade de produção de 2,5 milhões de toneladas de celulose e entrada de operação prevista em 2029, quando a CMPC completará vinte anos de presença no Brasil.
Em paralelo, a CMPC acabou de finalizar investimentos para a modernização de suas plantas na cidade de Guaíba, também próxima de Porto Alegre e distante 26 quilômetros de Barra do Ribeiro, como forma de diminuir o impacto ambiental da operação e ampliar a capacidade produtiva.
Executivo veterano, com passagens por Monsanto e Basf, onde atuou por quase 20 anos, Lacerda assumiu o posto de diretor da CMPC há cerca de dez meses, no lugar de Maurício Harger – que estava no cargo desde 2018 e assumiu, no ano passado o comando da Vedacit, fabricante de impermeabilizantes e materiais de construção.
Lacerda está empolgado com as perspectivas que encontrou na empresa. “Digo para as pessoas que trabalham na CMPC que muita gente gostaria de estar no nosso lugar agora com um projeto dessa magnitude na mão, com um mercado crescente de exportação, bem menos sensível às questões domésticas, com dinheiro para investir e com oportunidade de carreira para todos e todas aqui dentro”, afirma.
Pertencente à bilionária família Matte, do Chile, a CMPC possui 46 plantas em países como Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, México e Peru.
O Brasil é central na estratégia da companhia, segundo Lacerda. “Hoje, 60% dos negócios da CMPC já estão no Brasil. Quando tivermos a nossa nova fábrica de Barra do Ribeiro, em 2029, esse eixo vai estar mais pendendo para o Brasil ainda”, afirma.
“Seremos uma empresa que nasceu no Chile há mais de 100 anos, mas com as operações predominantemente no Brasil. É assim que está planejado o nosso futuro”, resume.
Lacerda prefere não detalhar, mas diz que a CMPC poderá fazer “outros negócios” no futuro no país. “A estratégia é crescer no Brasil”, afirma.
Desde que chegou ao Brasil, em 2009, ao comprar a fábrica de Guaíba que pertencia à Riocell, a CMPC já tinha investido na ampliação da unidade, com uma nova linha de produção inaugurada há uma década, em 2015.
O movimento da CMPC de centralizar suas operações de celulose no Rio Grande do Sul chama a atenção justamente por ir na contramão da tendência das grandes companhias do setor.
É o caso de empresas como a Suzano, que começou a operar sua usina de R$ 22,2 bilhões na cidade de Ribas do Rio Pardo no ano passado, capaz de produzir 2,55 milhões de toneladas de celulose, da Arauco, que vai implantar uma fábrica em Inocência, com começo de operação prevista para 2027 e capacidade produtiva esperada de 3,5 milhões de toneladas de celulose por ano, e da Bracell, que jpá anunciou planos de aportar R$ 20 bilhões em uma megaplanta de R$ 20 bilhões em Água Clara, na mesma região.
Quando todas as unidades industriais no estado já tiverem entrado em operação, o Mato Grosso do Sul vai se tornar o maior produtor de celulose do Brasil, com uma capacidade produtiva próxima de 10 milhões de toneladas.
Com a experiência de quem cultiva eucaliptos adaptados ao frio da Cordilheira dos Andes, a CMPC prefere o Rio Grande do Sul pelas condições de clima e solo serem mais favoráveis em comparação a outras regiões, explica Lacerda.
“No Mato Grosso do Sul, onde a maioria dos projetos estão se instalando, fica cinco meses sem cair uma gota d’água. É um estresse hídrico tremendo”, diz Lacerda.
“A gente tem frio por aqui? Tem, mas também temos variedades de eucalipto que são mais adaptadas, que são desenvolvidas pela própria CMPC, mais adaptadas ao frio.”
A nova fábrica de Barra do Ribeiro vai gerar 12 mil empregos diretos e, para iniciar a obra, a CMPC aguarda a emissão de licença de instalação por parte da Fepam, órgão ambiental do governo gaúcho. “A gente imagina que vai sair até o meio do ano que vem”, diz Lacerda.
Além da proximidade com Guaíba, a escolha por instalar a planta no município decorre, segundo Lacerda, decorre do fato de que a CMPC já possui uma propriedade no município, a Fazenda Barba Negra, com 12 mil hectares, que abriga o viveiro de mudas da companhia e um centro de pesquisas de aprimoramento genético do eucalipto.
A Barba Negra, contudo, não é a única fazenda da companhia no Rio Grande do Sul. Ao todo, a CMPC possui cerca de 1.041 propriedades, distribuídas em 73 municípios gaúchos. São cerca de 250 mil hectares próprios e o restante é arrendado de terceiros.
No Rio Grande do Sul, a CMPC tem 500 mil hectares, metade área própria e metade arrendada. Para a nova fábrica de Barra do Ribeiro, será necessário o acréscimo de mais 80 mil hectares.
Cerca de 56% desse total é explorado pela companhia para o plantio de eucalipto e o restante é destinado para preservação florestal, segundo Lacerda. “Onde pode plantar eucalipto, a gente planta eucalipto e, onde não pode, a gente não planta.”
Além da indústria de celulose em si, a CMPC projeta investimentos em infraestrutura em Barra do Ribeiro, que envolve a construção de uma estrada que vai ligar as duas fábricas da companhia, acesso à fazenda Barra Negra e um terminal hidroviário.
A CMPC também projeta investimento de cerca de R$ 1 bilhão em um novo terminal no Porto de Rio Grande, cidade da região Sul, para escoar a exportação de quase cinco milhões de toneladas de celulose, gerando só nessa operação 1,4 mil empregos.
Praticamente toda a produção de fibra de celulose da CMPC no Brasil – 97% do total – é exportada, especialmente para Ásia e Europa, mas com remessas também para os Estados Unidos. “O maior cliente de Guaíba é um cliente que produz roupas na China, fazendo a substituição de fibras sintéticas por fibras naturais, no caso, celulose”, diz Lacerda.
Também estão previstas obras de dragagem e de ampliação da capacidade de armazenagem da companhia no terminal de Pelotas, também na região Sul do estado, estrutura concedida à CMPC em 2021, com vigência de dez anos.
“Nós somos o maior usuário do sistema fluvial do Rio Grande do Sul. Quase 45% do tráfego fluvial gaúcho é da CMPC”, afirma Lacerda.
A celulose vai para o porto de Rio Grande pelo Guaíba e pela Laguna dos Patos, as barcaças param em Pelotas, se abastecem de madeira e voltam. “É uma quantidade muito grande: são quase 8 milhões de metros cúbicos de madeiras que utilizamos aqui na fábrica”, estima o diretor.
O investimento de R$ 24 bilhões no Projeto Natureza será feito parte com recursos próprios e parte com recursos financiados junto a bancos de fomento do Brasil e do exterior, pelo fato de os provedores de parte das tecnologias da planta serem estrangeiros.
No Brasil, o BNDES teria se interessado no projeto, ainda que a transação não esteja fechada, segundo Lacerda. “Eu estive no BNDES e eles elogiaram muito o projeto, não somente do ponto de vista industrial, mas toda a vertente social e ambiental. Quando apresentamos o todo do projeto, o BNDES disse: “Uau, a gente quer estar com vocês””
Enquanto se prepara para o investimento em Barra do Ribeiro, a CMPC continua fazendo melhorias na unidade de Guaíba.
No fim de 2024, em dezembro passado, a companhia entregou o projeto BioCMPC, um investimento de R$ 2,75 bilhões que havia sido iniciado em 2021 e que envolve 31 iniciativas, que envolveram a implantação de novos equipamentos de controle ambiental e de procedimentos de modernização operacional da linha 2.
Dessa forma, nos cálculos da companhia, há uma redução de 60% no volume de emissões de gases de efeito estufa da CMPC.
Além disso, também houve um acréscimo de 18% à capacidade da fábrica. Esse incremento trazido pelo projeto à produção geral de celulose da companhia pode ser verificado já no fim do ano passado no balanço global da CMPC – que não divulga seus resultados no Brasil.
No quarto trimestre de 2023, houve um aumento de 23% no montante fabricado pela companhia, que foi de 1,075 milhão de toneladas no período, atribuído à finalização do projeto em Guaíba.
Além do BioCMPC, a companhia também investiu R$ 216 milhões, no fim do ano passado, em um projeto chamado Revamp, que tem como objetivo modernizar e otimizar equipamentos da linha de produção 1 de Guaíba.
“Foi mais uma atualização para aumentar a capacidade de secagem e melhorar os aspectos ambientais da fábrica”, diz Lacerda.
A CMPC tem duas plantas em Guaíba. A linha 1 é a mais antiga, inaugurada em 1972, com capacidade de produção de cerca de 400 mil toneladas de celulose, e a linha 2, que começou a operar em 2015 e é capaz de produzir 2 mihões de toneladas.
Do “odor da Borregaard” à referência ambiental
Os investimentos contínuos da CMPC em mitigar o impacto ambiental de suas plantas no Rio Grande do Sul estão também relacionados ao histórico da planta de Guaíba que, no passado, ficou conhecida em todo o Brasil pelos prejuízos ambientais que trouxe à população local.
Quando a fábrica, um projeto original da Borregaard, indústria de celulose da Noruega, foi instalada em Guaíba, no começo da década de 1970, houve muita festa, aplauso e expectativa de progresso com a chegada da nova unidade, símbolo da modernização da economia de um estado tradicionalmente agrícola.
Mas não demorou muito para que o humor dos gaúchos para com a nova indústria azedasse logo que a planta entrou em operação, em março de 1972. Das chaminés da nova fábrica, um cheiro forte de enxofre passou a atravessar o Rio Guaíba e repousar sobre a região central da capital gaúcha.
E, como se não bastasse o odor que incomodava a população, os efluentes da unidade estavam sendo despejados diretamente no rio, longe dos olhos (e narizes) da população.
As críticas ao impacto ambiental trazido pela fábrica, principalmente de ambientalistas e da imprensa, logo vieram. Um dos líderes dos ativistas era o engenheiro agrônomo José Lutzenberger, que ganhou fama nacional a partir do episódio e, mais tarde, viria a ser secretário do Meio Ambiente no governo de Fernando Collor, já no começo dos anos 1990.
Sustentabilidade e meio ambiente eram assuntos que não estavam na ordem do dia do regime militar naquele momento, que vivia seu momento mais repressivo, mas a reação negativa foi tão grande que até mesmo os militares resolveram agir.
Pouco tempo depois de ser inaugurada, a fábrica teve suas atividades interrompidas pelo governo gaúcho durante três meses, entre o fim de 1973 e o começo de 1974.
Pressionados, os noruegueses da Borregaard desistiram do projeto no Brasil e venderam a sua participação na fábrica para o Montepio da Família Militar, extinta instituição de previdência privada aos militares, em 1975, que trocou o nome da empresa para Riocell, sigla para Rio Grande Celulose, denominação que perdurou até os anos 2000.
A fábrica passaria de mão em mão até uma holding formada pelos grupos Klabin, Ioschpe e Votorantim assumir o controle em 1982.
Em paralelo, a Riocell passou a investir pesadamente em melhorias operacionais na fábrica para a mitigação de seu impacto ambiental, principalmente relacionadas ao tratamento de efluentes, e passou a contar com consultorias até mesmo de José Lutzenberger, outrora “inimigo” da antiga Borregaard.
A Klabin ficou no comando até 2003, quando vendeu a unidade para a Aracruz, que revendeu a fábrica para os chilenos da CMPC em 2009. Na ocasião, eles deram o nome de Celulose Riograndense para a unidade brasileira.
“Hoje, a fábrica tem muito pouco da antiga Borregaard. A gente renovou os prédios, os escritórios”, diz Lacerda.
Além do negócio de celulose no Rio Grande do Sul, a CMPC tem sua subsidiária específica para a fabricação de produtos de papel tissue e higiene pessoal, a Softys, dona de marcas conhecidas do consumidor como o guardanapo e papel toalha Kitchen, os lencinhos de papel Elite e o papel higiênico Cotton, entre outras.
Segunda maior produtora de tissues da América Latina, a Softys tem presença no Brasil e em outros sete países: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai. No Brasil, a Softys está presente em Guaíba, Caieiras (SP), Mogi das Cruzes (SP), Recife (PE) e Mallet (PR).
Informações: Brain Market.