MS – “Vale da Celulose”: uma história de sucesso econômico e alguns alertas preocupantes

*Artigo de Celso Foelkel

Produção resultante do diálogo construtivo via WhatsApp entre: Ari da Silva Medeiros; Celso Foelkel; Clóvis Zimmer; Hans-Jurgen Kleine; José Artêmio Totti & Victório Menegotto.

Capítulo 1: Brasil – Um plano econômico setorial que deu muito certo

No início dos anos 1970’s, a produção total e anual de celulose pelas fábricas brasileiras atingia pouco mais de um milhão de toneladas, enquanto as importações desse item pelo país eram mínimas (0,1 milhão/ano). A produção de papel também era discretíssima (1,2 milhão toneladas/ano e importação de 0,2). Na época, o governo federal do Brasil entendeu que os estímulos oferecidos para a produção de florestas plantadas através de seu PIFR – Programa de Incentivos Fiscais ao Reflorestamento (lançado em 1966) precisavam encontrar setores de sucesso garantido para absorção das madeiras que já estavam começando a surgir para consumo. Com muita criatividade e avaliações de potencialidades, o setor de celulose e papel foi um dos setores industriais contemplados para um programa nacional de expansão através do 1º PNPC – Programa Nacional de Papel e Celulose, que surgiu em 1974 como parte do 1º PND – Plano Nacional de Desenvolvimento. O PNPC buscou integrar e estimular investimentos de empresas nacionais e internacionais (Suécia, Japão, Estados Unidos etc.) para alavancar o desenvolvimento do setor brasileiro de celulose e papel, tendo importante apoio do BNDE (atual BNDES) com financiamentos favorecidos. Os focos principais foram dois: conquistar a autossuficiência para que o País não mais necessitasse importar esses produtos e gerar um ambicioso excedente para exportação de celulose (e mesmo de papéis), que no final do século XX pudesse representar 20 milhões de toneladas anuais desses produtos. Mesmo com a criação de um programa nacional para se estimular a produção, consumo interno e exportações, tanto de celulose como de papel, as realidades foram diferentes para esses dois tipos de produtos. O setor de celulose acabou conquistando um desenvolvimento admirado no mundo todo, enquanto o setor de papel cresceu em menor escala, com orientação maior aos mercados domésticos. No ano 2000, a produção brasileira de papéis atingia 7 milhões de toneladas, com forte participação de fibras recicladas para fabricação de papéis de embalagens, impressão e sanitários. Já 1 no ano 2022, a produção de todos os tipos de papéis no País chegou a 11 milhões de toneladas, sendo que desse total, 2,5 milhões foram exportadas. As diferenças de comportamento entre as produções de papel e celulose se devem a fatores mercadológicos e logísticos, burocracias tributárias, dimensão de mercados, legislações, incentivos, licenciamentos e taxa de câmbio. Apesar do sucesso do programa e dos desdobramentos que surgiram ao longo de cinco décadas, a ambiciosa meta inicial não foi atingida, mas o Brasil cresceu e muito, tendo se tornado o segundo maior produtor mundial de celulose, alcançando já em 2022 uma produção de 25 milhões de toneladas de celulose, tanto para produção de papéis como para produtos derivados de celulose (polpas para dissolução). Cresceu em menor escala a produção de papéis, mas ainda assim se atingiram níveis de exportações competitivas e significativas de alguns de seus tipos (impressão e embalagens). Agora, é mais do que certo admitir que a produção anual de celulose do País atingirá em curtíssimo tempo mais de 30 milhões de toneladas, sendo que as florestas plantadas de eucalipto continuarão sendo a principal fonte de matéria-prima fibrosa. Já as expectativas para a produção de papel se concentram atualmente no rápido crescimento da produção, do consumo interno e da exportação de papéis sanitários, uma vez que as projeções para os papéis de impressão são menos estimulantes.

Capítulo 2: Mato Grosso do Sul – A nova fronteira celulósica brasileira

A partir de 2005, com a escassez de madeira em estados como São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Paraná e Minas Gerais, o setor de celulose e papel se lembrou das florestas plantadas de eucalipto no estado do Mato Grosso do Sul pela antiga empresa denominada Chamflora (subsidiária da Champion em Três Lagoas), que acontecera durante os anos 1980’s e principalmente 1990’s. O empresa norteamericana International Paper, que recém adquirira a Champion International e consequentemente a Chamflora, tomou a decisão de construir uma planta industrial de papel e celulose justamente no município de Três Lagoas/MS, iniciando assim um novo ciclo econômico e de novas fronteiras geográficas para a produção de C&P no Brasil. Entre negociações envolvendo fábricas e investidores, essa fábrica acabou sendo inicialmente construída pela VCP (Votorantim Celulose e Papel, atualmente Suzano). Surgia assim no Mato Grosso do Sul, poucos anos mais tarde (2009), a primeira linha de fabricação de celulose branqueada de eucalipto para mercado, integrando parte de sua produção para fabricação de papel por uma fábrica interligada da International Paper do Brasil (atualmente Sylvamo). Essa história de crescimento se deve muito à empresa Fibria, que sucedeu a VCP/Aracruz em 2009. A linha de produção de celulose da Fibria em Três Lagoas se demonstrou como uma das mais competitivas da empresa em custos unitários e isso alavancou a ampliação da fábrica (2017) e despertou o interesse de outros atores para atuar na região. A empresa Suzano, que sucedeu a 2 Fibria com a fusão/aquisição em 2018, tem mantido interesse e foco para o crescimento de sua atuação no MS. A oportunidade encontrada pelo setor de produção de celulose em Três Lagoas iniciou todo um processo de expansão desse segmento industrial na região nordeste do estado do Mato Grosso do Sul. Graças aos favorecimentos oferecidos pelos governos municipais e estadual no MS, a partir de 2010, o crescimento de produção de celulose subiu exponencialmente, sendo que em pouco mais de 15 anos a produção aumentou praticamente 8 vezes desde a fábrica original da Fibria em 2009. E as perspectivas são de aumentos ainda maiores em curto espaço de tempo. Em 2028, o estado do MS deterá quase 40% de toda a produção brasileira de celulose, sendo que ao final da década essa participação poderá ser ainda maior em função de dois potenciais novos projetos sendo estudados e anunciados.

Capítulo 3: “Vale da Celulose” – Um sucesso empresarial e uma preocupação inquietante

O MS é um estado brasileiro jovem e dinâmico, cujos governantes (atual e predecessores) apostaram na simplicidade administrativa e na busca de investimentos para a fortaleza maior do estado: o agronegócio. Em termos de culturas anuais e produtos derivados da zootecnia, a área ocupada pelo agronegócio com soja, milho, cana-de-açúcar, algodão, trigo e carnes chega a atingir quase 8 milhões de hectares. Esse crescimento tem sido conseguido em um ritmo até certo ponto alucinante, difícil de ser encontrado em outros estados brasileiros. Outro setor com crescimento muito rápido tem sido o da silvicultura, com quase 1,5 milhões de hectares de florestas plantadas, principalmente com eucaliptos. O estímulo a todo esse crescimento tem sido conseguido com menos burocracia, mais dinamismo e garantias de credibilidade aos investidores. O estado encontrou em treze municípios de sua região nordeste um local ideal para que a silvicultura ocupasse terras de baixos preços, topografias que permitem intensa mecanização e escoamento da produção via ferroviária, fluvial e rodoviária. Os municípios que vêm sendo alvo dos investimentos em plantações florestais e construção concomitante de fábricas de celulose/papel ficam próximos à capital do estado (Campo Grande) e possuem uma área total de aproximadamente 8 milhões de hectares. Como vantagem adicional, fazem parte da bacia hidrográfica do grande e majestoso Rio Paraná, sendo que diversas dessas municipalidades margeiam esse rio. Em função do crescimento rápido e das potencialidades da região, ela foi denominada de “Vale da Celulose”, abrangendo os seguintes municípios: Três Lagoas, Selvíria, Brasilândia, Ribas do Rio Pardo, Água Clara, Inocência, Bataguassu, Paranaíba, Santa Rita do Pardo, Nova Andradina, Cassilândia, Aparecida do Taboado e Anaurilândia. Admitindo o potencial de crescimento na produção de celulose para os próximos anos, a região vai necessitar de aproximadamente 2 milhões de hectares (ou ainda mais) de plantações de eucaliptos para abastecer todas as atuais e possivelmente 3 novas unidades produtivas. Isso corresponderá a 20% de toda a área geográfica do “Vale da Celulose” sendo ocupada pelas efetivas plantações florestais de eucalipto, lembrando ainda que as fábricas de celulose devem também destinar áreas para garantir a qualidade ambiental das plantações em formato de mosaicos sustentáveis. Muito possivelmente, as áreas geográficas de algumas dessas cidades terão acima de 50 a 60% com ocupações pela silvicultura. Ou seja, uma concentração geográfica inusitada e preocupante para uma concentração genética igualmente inquietante em função de ser matéria-prima florestal de um único gênero de árvores e adicionalmente, de clones. Além disso, essa mesma região continuará a ter áreas ocupadas por outras atividades produtivas dos atuais produtos do agronegócio. Apesar do regime de chuvas e da qualidade dos solos representarem deficiências a serem gerenciadas e enfrentadas, o setor brasileiro de C&P tem aceitado esses desafios em função da rapidez decisória para liberação dos empreendimentos florestais e industriais, bem como por incentivos atrativos oferecidos pelo estado e municípios. Em resumo: além de uma produção já elevada no momento (cerca de 8 milhões de toneladas de celulose e papel), diversos megaprojetos de novas empresas ou duplicações de linhas existentes estão em construção e outros, em processos de avaliação e estudos de liberação.

Capítulo 4: Algumas verdades inconvenientes

Não existem dúvidas de que as empresas que estão hoje atuando ou interessadas em atuar no “Vale da Celulose” do MS são empresas responsáveis e dotadas de excelentes qualidades e desempenhos florestais e industriais, bem como de comprovadas responsabilidades socioambientais. Todas possuem certificações de manejo florestal sustentável e de adequação dos seus sistemas de gestão ambiental de acordo com os mais rígidos critérios disponíveis. Também temos certeza de que as fábricas de celulose e/ou papel serão construídas no estado-da-arte tecnológico. Ainda que isso tudo seja verdadeiro e que se somem a isso, todos os esforços que as empresas colocarão para o sucesso de seus negócios e de suas operações florestais e industriais, existem algumas verdades inquestionáveis que nos levam, a colocar alguns sinais de alerta para que essas operações possam se consolidar dentro de requisitos de segurança socioambiental e de sucesso empresarial. O objetivo desse artigo de opinião é o de oferecer alguns pontos para reflexão (e ações subsequentes) por parte de todos os atores envolvidos nesse processo de crescimento da base florestal plantada e da produção de celulose no “Vale da Celulose” do estado do Mato Grosso do Sul. Nosso objetivo é o de estimular a que tanto as empresas produtoras de florestas e de celulose/papel, como comunidades e governos se estruturem e tomem ações de monitoramento e de prevenção para algumas fragilidades trazidas por esse modelo de 4 crescimento rápido e concentrado. Tudo isso acontecendo em uma região de dimensões restritas em relação à velocidade desse crescimento.

Alertas a serem gerenciados com muita dedicação e de forma integrada e transparente: “O problema de um pode subitamente virar o problema de todos”

1. Excessiva concentração geográfica de uma base genética restrita de mesmo tipo de vegetal clonado, oferecendo como consequência um aumento de riscos de ataques de pragas e doenças. É inquestionável que a base genética dos clones de eucalipto é muito restrita e necessita tanto de atenção, de adequado manejo e distribuição espacial, bem como de uma diversificação maior com a utilização de outras espécies ou gêneros, seja para produção de celulose ou geração de energia (Corymbia, Acacia, Mimosa, Bambusa, por exemplo). Não existem estudos claros e tampouco legislação pertinente em relação a concentrações geográficas e genéticas de um mesmo gênero florestal e de seus clones com genomas iguais ou muito próximos. Como recomendação adicional, sugere-se ênfase em estudos científicos para melhorar as distribuições de florestas clonais de eucaliptos dentro de cada e entre as empresas atuando na mesma área geográfica.

2. Conflitos pelo uso da água, resultantes de: chuvas escassas, alterações climáticas, outros tipos de usuários do agronegócio e comunidades etc.

3. Riscos de surgimento e com propagação de difícil controle de mega incêndios florestais em função das proximidades das florestas.

4. Crescimento populacional desequilibrado ou fora de controle nas comunidades (e suas consequências).

5. Enorme crescimento na utilização das malhas viárias (estradas, rios, e etc).

6. Escassez na oferta de recursos humanos em termos de qualificação profissional para as empresas. Em resumo, já está mais do que na hora de se iniciarem as ações mitigadoras e os planejamentos proativos para um futuro imediato.

“Boa sorte e sucessos nas medidas que vierem a adotar graças a projetos integrados, compartilhados e com muita transparência entre os atores envolvidos e nas comunicações com as partes interessadas da sociedade.”


*Prof. Celso Foelkel é gerador e compartilhador de conhecimentos sobre aspectos tecnológicos do setor de celulose e papel e florestas plantadas. Websites: https://www.eucalyptus.com.br/ e https://www.celso-foelkel.com.br/.

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