Artigo de Sebastião Renato Valverde[i], Aléxia Penna Barbosa Diniz[ii] e Felipe Corrêa Ribeiro[iii]
Não há dúvida de que vivemos no país dos contrastes que, mesmo rico em recursos naturais renováveis e não-renováveis e considerado o celeiro do mundo, impera os problemas crônicos e estruturais da pobreza e da fome, fruto de uma desigualdade de renda que só se compara com as dos países da África. É neste mesmo país de miseráveis e famintos que reina as perdas e desperdícios de alimentos e fibras da agricultura e da floresta.
Embora tenhamos relativizado estes contrastes, mas, igual a Skol e diferente do que ela propaga, também não descem redondo. Na agricultura há relatos de que as perdas chegam a atingir até 20% da produção de grãos se consideradas desde a colheita até o prato do consumidor. Apesar de não haver estatísticas disponíveis sobre as perdas na atividade florestal, elas são significativas tanto oriundas do manejo dos reflorestamentos, quanto das florestas nativas.
Sabe-se que parte das perdas de grãos é minimizável, pois resulta da má operação e gestão de colheita e logística, além do uso de máquinas e veículos transportadores depreciados e, ou, danificados. Já a parte relacionada às questões climáticas, sobretudo na ocorrência de chuvas prolongadas e oriundas de frentes frias inesperadas, aí as perdas são quase que inevitáveis.
Tal como acontece na agricultura, também há perdas na florestal devido ao uso de máquinas e veículos sucateados, a fenômenos climáticos e a gerenciamento. Talvez, mais do que impactado pela agricultura, a florestal sofre com as “armadilhas” mercadológicas. Existe um delay significativo no mercado entre o momento da decisão pela colheita das árvores em função dos preços e quantidades e o tempo futuro da venda do produto florestal. Por exemplo, a decisão pela produção do carvão se dá num momento em que o preço dele esteja satisfatório, mas até colher, extrair a madeira, secá-la e carbonizar, já se passaram meses de modo que o cenário possa não ser favorável à venda. Exceto se houver um contrato com preços e quantidade pré-fixados. Se não, aí o risco de prejuízo é alto dado os gastos operacionais e os juros sobre capital, haja vista nossas taxas escorchantes.
É comum cenários em que, colheu-se com preço satisfatório, mas já não o era quando a madeira se encontra à beira da estrada. Ou, extraiu-se, mas já não o era para transportar até o beneficiamento. Beneficiou-se, pode-se deparar com preços que não viabilizam transportar até o consumidor. Assim, se colhido e não vendido, além dos custos fixos e variáveis, há perda pela deterioração das toras com o tempo.
Infelizmente, não há no país uma política de garantia de preços mínimos para o produto florestal ou qualquer política pública que dê segurança ao investimento que é de longo prazo e sujeito a toda natureza de riscos e incertezas. Razão esta que explica a evasão de produtores da atividade de reflorestamento mesmo nos momentos que o preço da madeira esteve na estratosfera. A falta de planejamento estatal no setor florestal prejudica os agentes envolvidos na cadeia produtiva e desincentiva a entrada de novos agentes, uma vez que eles precisam sustentar os riscos da atividade sozinhos, lidando com as incertezas do mercado.
Menos mal se fossem somente estas perdas e as vulnerabilidades às mazelas do mercado, mas outro grave problema é o desperdício causado pela morte das árvores de espécies exóticas, sobretudo pinus e eucalipto, nas áreas de preservação permanente (APP) e Reserva Legal (RL) pela técnica do anelamento do tronco conhecida como “Morte em Pé”. Isto chega a soar como ultrajante num Brasil campeão das desigualdades e provoca reflexões se ela procede social e economicamente.
Acredita-se que há uma pressão por parte de órgãos que atuam na área ambiental para que os proprietários florestais optem por este arboricídio xenofóbico como cumprimento de Termos de Ajustamentos e Condutas (TACs) para recomposição das APPs e RLs conforme o Novo Código Florestal (NCF, Lei 12651/2012). O procedimento consiste em anelar o tronco na base das árvores, descascando-o de modo a impedir a circulação da seiva. E, se necessário, a aplicação de herbicida.
Ainda que fossem apenas as árvores jovens e, ou, as finas quase sem destinação e sem valor econômico, até que se engole esta atitude perdulária, mas quando se trata de árvores adultas e, ou, grossas, com potencial para serem serradas, aí fica difícil de aceitar. Não se quer julgar o mérito desta técnica se certa ou errada, mas não deixa de ser esdrúxula no tocante as questões socioeconômicas.
Alguns podem concordar com esta supressão por entender que, segundo a legislação e pelo fato de se tratar de árvores exóticas, jamais poderiam ter sido plantadas nestas áreas protegidas (APP e RL). Acontece que foram plantadas num período em que, apesar da existência da lei, ela não proibia plantar e nem previa o tamanho destas áreas como definido atualmente.
Em que pese os institutos de APP e RL serem regidos desde 1965 pela lei 4.771/1965, ambos sofreram diversas alterações no conceito e nos parâmetros. Na redação original desta lei, as APPs eram conceituadas como florestas de preservação, sendo proibido apenas o corte raso, e as faixas ao longo do curso d´água iniciavam com larguras de 5 metros de cada lado quando o curso dá água era menor que 10 metros de largura.
Foi somente a partir da década de 1980, quando as questões ambientais se institucionalizaram, que o conceito mudou para área de preservação permanente, prevendo a sua intocabilidade e a largura inicial de 5 metros passou para 30m, ampliando em faixas conforme a largura do rio. Até então, muito se reflorestaram com exóticas até próximo dos previstos 5 m, principalmente pinus e eucalipto e muito se abriu de estradas às margens das APPs para possibilitar a logística do plantio e da colheita e transporte da madeira.
Uma vez que seja até ambientalmente correto esta supressão via anelamentos, mas o que há de sustentabilidade em algo que privilegia somente o ambiental e renega o social e o econômico? Se considerar apenas a cadeia produtiva da madeira serrada (serrarias, marcenarias e movelarias), quanto de valor agregado se perde nesta prática, quantos empregos, rendas e impostos deixam de ser gerados e arrecadados, respectivamente? No que tange a valor, na pior das hipóteses que cada árvore adulta tenha em média 3 m3 a R$100/m3 em pé, considerando, pelo menos 100 árvores por hectare, se desperdiça R$30.000 por hectare. Imagine fazendas que chegam a ter centenas e milhares de hectares em APP e RL com árvores exóticas virando comida de cupim e microrganismo?
Assim, crê-se que os benefícios ambientais desta prática arboricida não compensam as atrocidades causadas à ordem socioeconômica. Se ela é feita como alternativa a operação de corte, dado que a queda e a extração das árvores poderão causar mais impacto na regeneração do sub-bosque, ledo engano, pois com estas operações há a chance de direcionar a derrubada e a retirada visando o mínimo impacto, enquanto aneladas e mortas, cairão sem rumo.
Pode até ser que o impacto no sub-bosque com a queda dela já morta seja menor que o da colheita e extração, entretanto, por caírem à revelia do direcionamento os problemas que elas acarretam não são desprezíveis. Em regiões montanhosas, na queda, muitas das árvores descem embaladas pela força gravitacional até o curso d´água ficando atravessadas de um lado ao outro, represando-o. Verdadeiro “balaio de gato”, comprometendo o acesso a área e tornando perigosos os trabalhos de monitoramentos de fauna, flora, solo e água.
Nem pensar nas consequências que isso possa trazer caso algum incidente ou acidente venha ocorrer dentro destas áreas tais como quedas, tombos, picadas de animais peçonhentos, incêndios, entre outros, devido a dificuldade do acesso para resgate e socorro e também para debelar as queimadas. Isso, quiçá, sem querer ser catastrofistas, não venha a provocar tragédias como a de Petrópolis e Teresópolis quando enxurradas devido a “cabeça ou tromba d´água” em 2011 arrastaram árvores entrelaçadas sobre o leito de rios provocando o óbito de centenas de pessoas em razão mais das pancadas das toras do que, de fato, dos afogamentos.
É sabido que o atual código florestal que distinguiu as APPs em disposições permanentes e transitórias impõe a recomposição delas e da RL com espécies nativas delegando o prazo ao Plano de Regularização Ambiental (PRA). Cabe esclarecer que nos casos em que há espécies florestais exóticas, a nova lei diz que fora da área de uso consolidado, é obrigatório suprimir tais espécies e recompor com nativas. Já na de uso consolidado, o produtor pode manter as exóticas, cortá-las e replantar quantas vezes quiser.
O fato é que, independentemente de se estabelecer um prazo para a recomposição e a obrigação pela retirada das exóticas, não há razão que sobressaia às sociais e econômicas de destinação das madeiras. Matar estas árvores sem o devido destino socioeconômico delas é o mesmo que dizer que sua madeira não tem preço. Mesmo sendo exótica, ela concorre no mercado com a madeira nobre oriunda do manejo da floresta amazônica. Negar o valor dela significa ignorar o valor da madeira serrada também da floresta nativa.
Desta forma, é sagrado dar finalidade para a madeira. Seja vendendo no mercado ou, então, caso não o haja ou não valha a pena vender se o preço dela estiver menor que seu custo de exploração e transporte, que a doe. Certamente algumas empresas receiam doar ou vender para terceiros por medo de algum sinistro vier a acontecer na área delas durante o corte e transporte da madeira, haja vista o risco de acidente do uso de motosserra e tratores, vindo a macular a imagem dela e comprometer suas certificações.
Para isso, basta a formação de equipe própria treinada e capacitada para colheita e extração da madeira visando zerar riscos e impacto ambiental na regeneração, vendendo-a ou doando-a, já empilhada, cabendo apenas a carga e transporte, pois nestas operações os riscos são bem menores. O que não pode é esta morte das exóticas sem retorno e sem valia.
A sensação que dá é que estes anelamentos evocam uma atitude impositiva do ambientalismo dando primazia a proteção a todo custo como uma reação do que foi durante séculos a ditadura do capital sobrepondo a produção em detrimento da proteção. Acredita-se que o momento é da busca de uma terceira via visando produzir protegendo e, ou, proteger produzindo sustentavelmente.
Enfim, nós que ainda não vivemos os 10.000 anos como Raulzito, mas os quase quatrocentos desde a revolução industrial, tendo visto a ascensão e morte dos impérios do capital, do proletariado e dos verdes, ficamos otimistas com o boom do ESG (Environmental, Social e Governance) como uma pá de cal no sepultamento destas “monarquias” e como política e gestão integrada de responsabilidade ambiental e social e de governança que valoriza indistintamente os pilares sociais, econômicos e ambientais da sustentabilidade, dando opções melhores de trabalho aos senhores dos anéis do que simplesmente trucidar árvores.
[i] Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), valverde@ufv.br.
[ii] Alexia Penna Barbosa Diniz, Bacharela em direito pela Universidade Federal de Viçosa e mestranda no DEF/UFV, alexia.diniz@ufv.br
[iii]Felipe Corrêa Ribeiro, Engenheiro Florestal, Mestre e Doutorando em Ciências Florestais na Universidade Federal de Viçosa. felipe.c.ribeiro@ufv.br