*Artigo de Marcelo Schmid
Em alguns dias terá início a 29ª Conferência das Partes (COP) que neste ano ocorre em Baku, Azerbaijão. A reunião é o principal fórum global para negociações sobre as mudanças climáticas, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), tratado internacional criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, com o objetivo de “estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência humana perigosa no sistema climático”.
As expectativas para essa reunião são altas, pois uma série de importantes temas foram tratados ao longo do ano nas reuniões preparatórias da COP-29, de modo que, ao contrário de outras COPs cujo resultado foi pífio, desta vez importantes definições são esperadas.
O Brasil deverá exercer papel protagonista no evento, tendo em vista que será o país anfitrião da próxima COP, em 2025, a ser realizada em Belém, Pará, no coração da região amazônica brasileira, fato que por si já coloca as florestas do país em evidência, embora sabe-se que a contribuição das florestas brasileiras para o clima do Planeta é notória.
O Brasil possui um gigantesco estoque de carbono armazenado nas florestas naturais, que segundo o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) é de 80 bilhões de toneladas. Além disso, o país possui dez milhões de hectares de árvores em crescimento, as quais, segundo a Indústria Brasileira de Árvore (IBÁ), absorvem cerca de dois bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Por fim, o país possui dezenas de milhões de hectares de áreas degradadas que podem ser restauradas com a intervenção humana.
Mas o setor florestal brasileiro pode esperar da COP-29?
Entre vários temas importantes, um dos principais focos de discussões deste ano são as novas contribuições nacionalmente determinadas (NDC, compromissos de ações de combate à mudança do clima) a serem apresentadas pelos países signatários da UNFCCC, as quais serão adotadas a partir de 2025.
A atual NDC brasileira, entre outros pontos, assume o compromisso de alcançar a “neutralidade climática” até o ano de 2050 e um ponto muito importante para as florestas brasileiras: o “compromisso político em direção ao fim do desmatamento até 2030”.
A expectativa para a COP-29 é de que o Brasil seja um dos primeiros países a apresentar o novo compromisso, criando assim “a régua” para as ambições climáticas de outras nações. Diante de seu protagonismo, o país não poderá “recuar” em seus compromissos e deverá apresentar uma NDC ainda mais arrojada.
Espera-se também que a nossa nova NDC seja mais precisa em relação ao desmatamento, no sentido de assumir um compromisso mais objetivo do que “compromisso político em direção ao fim do desmatamento”. Além disso, é de grande importância deixar claro que o desmatamento tratado pela NDC é o desmatamento ilegal e não se confunde com a supressão vegetal autorizada por lei, necessária ao desenvolvimento de diversos setores da economia.
Uma outra pauta muito importante é a tão esperada definição completa do Artigo 6 do Acordo de Paris, que cria um novo mercado de créditos de carbono, o qual pode ocorrer de formas distintas.
A primeira, na forma do Artigo 6.2, que permite que os países cooperem entre si na implementação de suas metas nacionais, possibilitando a comercialização de reduções ou remoções de emissões,conhecidas como Transferências Internacionais de Resultados de Mitigação (ITMOs), por meio de acordos bilaterais ou multilaterais, criando um mercado de créditos de carbono de “alta qualidade”.
A segunda é o artigo 6.4. que propõe um mercado de carbono internacional monitorado por um órgão de supervisão, com regras, modalidades e procedimentos. Aqui reside outro ponto de atenção e expectativa para o setor florestal e as florestas no Brasil, pois espera-se que haja a transição de projetos do antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, estabelecido pelo Protocolo de Quioto) para o Artigo 6.4, com destaque à possibilidade de inclusão de atividades de reflorestamento, tal qual permitia o MDL.
Nesse sentido é de grande importância fazermos aqui um pequeno parêntesis e viajar rapidamente de Baku de volta ao Brasil: está na pauta do senado brasileiro a votação (em caráter de urgência) do projeto que cria regras para o mercado de carbono no Brasil. A proposta era o primeiro item da pauta da sessão da terça-feira passada (05/11), mas foi adiada para a próxima terça (12/11).
Mas qual é a relação entre o que irá acontecer em Baku em alguns dias e a pauta de nosso Senado?
Para que o mercado de carbono brasileiro tenha sucesso, é fundamental que suas regras sejam compatíveis às regras do Artigo 6 do Acordo de Paris, para atrair maior volume de investimentos. E aqui está um ponto de grande expectativa para o setor de base florestal, pois o Brasil não pode abrir mão da oportunidade de usar o mercado de carbono para fomentar a restauração de áreas degradadas e o alcance de sua ousada meta de neutralidade climática.
Espera-se assim que os projetos de reflorestamento tenham seu espaço garantido dentro do mercado regulado brasileiro e que haja tal conexão com o mercado do Acordo de Paris, para alcançar uma demanda (muito) maior por créditos.
Antes que me perguntem: e o plantio de florestas comerciais, poderá gerar créditos neste novo mercado? Pois bem, atualmente as regras do mercado voluntário apresentam restrições para determinadas atividades de projetos florestais, porém, não há uma proibição geral à utilização de espécies comerciais e diversos projetos desenvolvidos no Brasil dentro da modalidade chamada de ARR (Afforestation, Reforestation and Restoration) consideram o plantio de, por exemplo, eucalipto, como alternativa.
Espera-se que o novo mercado regulado nacional absorva essa mesma análise e que esse conceito seja também aceito no mercado regulado internacional, do Acordo de Paris, desde que naturalmente sejam obedecidos critérios de integridade ambiental para gerar créditos de alta confiabilidade e qualidade. Infelizmente, o Grupo Index tem avaliado projetos de carbono florestal em desenvolvimento no Brasil que não são capazes de comprovar o atendimento a tais critérios.
O setor florestal brasileiro espera há décadas na fila pela oportunidade de entrar no mercado de carbono e isso não irá mudar com a próxima COP. Embora a contribuição do setor para o clima do Planeta seja notória, é necessário lembrar que a humanidade está diante do maior problema ambiental de sua história, problema esse de altíssima complexidade, pois é permeado por uma densa rede de questões econômicas e sociais e pelo interesse de centenas de países.
Não há dúvida que as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) são um mecanismo fundamental para estabilizar o clima do Planeta e que o Brasil é será o principal fornecedor desta qualidade ambiental para o Mundo, mas não se resolvem problemas complexos, com soluções simples, temos que ter um pouco mais de paciência, a nossa hora chegará em breve.
*Marcelo Schmid é sócio-diretor do Grupo Index (https://indexgrupo.com.br/).