Ex-presidente do Capes, Claudio de Moura Castro lança livro em que reflete sobre a importância das florestas brasileiras para evitar a desertificação no país
Reflorestamento requer inteligência, cuidado e pesquisa para eficiência. É o que acredita Claudio de Moura Castro, pesquisador, economista e ativista do meio ambiente em tempo integral. Aos 85 anos, Castro se mantém ativo como crítico e observador das políticas públicas que pesam sobre as florestas, rios e a biodiversidade brasileira. Ele lança “O mutirão das árvores: queremos sombra e água fresca”, síntese de anos de estudos e pesquisa de campo nos assuntos.
Ex-presidente do Capes, Castro construiu uma sólida trajetória acadêmica nos EUA nas décadas de 1960 e 1970, tendo passado pelas universidades de Yale e Vanderbilt, onde fez mestrado e doutorado, respectivamente. No país, teve contato com a primeira grande onda ecológica e com o movimento hippie, trazendo ao Brasil, anos mais tarde, o conceito de sustentabilidade – até então malvisto em nosso país. Em entrevista exclusiva ao ((o))eco, Castro analisa a política de reflorestamento, a questão do manejo das águas, a agricultura brasileira e como ecologia e cultura precisam estar alinhadas para impedir que parte do território brasileiro se torne um deserto.
Uma das questões centrais que o senhor traz no livro é: não basta plantar árvores de maneira indiscriminada, é preciso saber plantar. Conhecer biomas, espécies e a terra de cada região que se vai realizar um plantio. O senhor dá o exemplo da fazenda do fotógrafo Sebastião Salgado, um projeto de sucesso em matéria de reflorestamento. É possível reflorestar o país seguindo o exemplo de Salgado? Qual caminho o senhor considera o mais viável?
– Partamos da hipótese bastante realista de que qualquer reflorestamento em área degradada deixa um balanço positivo. Mas há, necessariamente, vários caminhos. Se bem trilhados, são complementares. A Fazenda de Sebastião Salgado é uma solução purista: recriar o bioma original. Poucos conseguirão uma reprodução tão perfeita do que era, pois os estudos e as ações requeridas são demoradas e caras. Mas mesmo um reflorestamento meio improvisado é bem melhor do que nada. Além disso, reflorestamento com algo parecido à cobertura original não é lucrativo. E podemos imaginar que a combinação do lucro com o ganho ambiental pode alavancar um gigantesco soerguimento das nossas matas. Isso significa monoculturas, multiculturas com poucas espécies, consorciamento e alternativas que se revelaram lucrativas. Ou seja, estamos falando de muitas soluções em paralelo.
O senhor faz uma síntese de uma pesquisa muito interessante do Imperial College, de Londres, assinada por Ana Rodrigues, que diz: “Onde o meio ambiente fracassa, aí estão os bolsões da pobreza”. Como esta frase se encaixa no Brasil de hoje?
– Observou-se que os lugares desmatados nas últimas décadas são pobres. Há evidência suficientemente persuasiva demonstrando que, nos lugares onde houve desmatamento, isso pode haver criado um surto momentâneo de prosperidade. Mas não dura, o que fica é uma pobreza ainda maior e persistente.
O brasileiro leva a sério a questão ecológica? A ecologia está arraigada nos valores básicos do cidadão médio?
– Como não existe uma escala de medida de “consciência ecológica”, não podemos senão fazer algumas comparações. Quando vi o céu do vale do Ruhr, totalmente coberto da fumaça das fábricas, fiquei admirado: isso é que é progresso! Nenhum jovem hoje pensaria assim. Tínhamos legislação que premiava o desmatamento. Não temos mais. Obviamente, os jovens estão muito mais alertas para os pecados ambientais. No todo, não estamos tão mal assim. Porém, quando pensamos que leis draconianas de reflorestamento na Suíça vem do século XIX, há que se admitir, estamos longe de um nível adequado de percepção e seriedade no lidar com o meio ambiente
Nos últimos 20 anos, pelo que me lembro, a reciclagem, antes um assunto periférico, virou um tema amplamente discutido. O senhor traz isso no livro. Mas hoje o Brasil vive uma outra tragédia sanitária: a questão da ineficiência do tratamento de esgoto. Como tornar esta pauta tão importante quanto a reciclagem?
– Reciclagem é um processo barato e visível. É um trabalho para todos darem a sua pequena contribuição e ficarem felizes com isso. Pegou, virou símbolo de bom comportamento ecológico. Esgoto é caro e invisível. Por longo tempo, penamos com uma legislação inadequada. E a equação política é fatal: Entre construir um estádio e tratar o esgoto, qual dá mais votos de um eleitorado pouco educado? De fato, o cidadão comum desconhece as consequências nefastas de esgoto não tratado. E ainda menos os pobres que são os principais prejudicados.
No livro, o senhor faz menção à crise do petróleo, nos anos 1970, e afirma que a crise hoje é hídrica. Como chegamos a este ponto?
– Quando os gregos clássicos viajaram para a Mesopotâmia, ficaram impressionados com a quantidade e variedade de alimentos. Ou seja, era uma região de extraordinária fertilidade. Hoje, é quase um deserto. Muitos dos desertos que conhecemos eram férteis no passado. Regiões como o Oriente Médio foram progressivamente se desertificando, pelos maus tratos com florestas e águas. E, em muitos lugares, não paramos ainda de devastar florestas. Opta-se pelos benefícios de curto prazo. Dá-se as costas à saúde do meio ambiente no longo e médio prazo. As projeções dos cientistas são muito pessimistas. Diante do quadro que veem, concluem que haverá uma dramática falta de água nos próximos anos. O contra exemplo é a Europa, que soube preservar suas florestas. Nesse particular, a América do Norte pecou, porém menos do que em outras regiões.
O senhor nos conta, logo no início do livro, sobre como os ciclos de chuva na Amazônia impactam todo o Brasil. Classifica esses ciclos como viciosos e virtuosos. Poderia explicar esses conceitos e, tendo em vista a recente tragédia no Rio Grande do Sul, seria correto afirmar que a região sucumbiu a um ciclo vicioso?
– O ciclo da água refere-se às consequências de haver ou não cobertura vegetal onde cai a chuva. É um processo estável e previsível. Se, por descuido ou irresponsabilidade, cuidamos mal das florestas, a atmosfera aquece mais e desaparece a água à nossa disposição. O que aconteceu no Rio Grande do Sul é algo diferente. É o resultado do aquecimento global e de uma travessura imprevisível do El Nino. Mas na cadeia de causação, essas enchentes podem haver sido o resultado de cuidar mal da água e do excesso de gás carbônico na atmosfera.
O senhor escreve que os mais pobres de países africanos pagam mais pela água que consomem em relação aos ingleses. Como a distribuição de água e a tributação responsável podem sanar dilemas sociais e humanitários?
– A diferença do preço da água não é uma malvadeza de alguém, mas o resultado da existência de muita ou pouca água na região. Da África ao Sul do Saara, o clima é desértico e a água é inevitavelmente cara. Na Inglaterra, chove quase todos os dias. Isso até pode ser desagradável, mas torna a água mais barata. Falta dizer que as florestas inglesas são hoje muito bem cuidadas e muitas das africanas desapareceram. Novamente, floresta e água estão intimamente imbricadas.
No livro, o senhor traz exemplos de agricultura produtiva e agricultura responsável, qual é a diferença entre as duas?
– Se quisermos ser logicamente rigorosos, uma agricultura produtiva é aquela que gera resultados abundantes. Mas nada fica dito sobre a saúde do meio ambiente onde ela ocorre. No caso da responsável, queremos dizer que não lesa o meio ambiente. Ou seja, permite que o futuro não seja comprometido por consequências negativas do que fazemos hoje.
Hoje, no Brasil, a agricultura e a indústria utilizam 90% da água distribuída. Por quê? Isso é falta de modernização?
– Sempre foi mais ou menos assim. Resulta da natureza dos processos produtivos. Só que com a escassez de água, é preciso economizar. Algo é possível nas cidades, mas nem tanto assim. Já no campo e nas fábricas, é possível alterar os processos produtivos e gastar muito menos água. Dois exemplos: cada vez mais, as fábricas estão reciclando suas águas servidas. Na agricultura, aspergir água sobre as culturas gera muito mais desperdício do que os sistemas subterrâneos de gotejamento.
Vazamentos de água potável, pastos e florestas devastadas, ojeriza a discursos em favor do meio ambiente, precarização do trabalho, estes são alguns fatores que pesam na conta do Brasil e do Agro. No livro, o senhor faz um diagnóstico do nosso sistema, como resolver estes gargalos?
– Antes de tudo, se é verdade que há hoje muito mais consciência ecológica, ainda falta muito para chegarmos a um nível satisfatório – com em vários países europeus. Se o povo não liga, prevalecem os interesses privados de alguns poucos beneficiários de práticas e políticas perniciosas. Sem uma oposição séria e bem organizada, o bem-estar do meio ambiente irá quase sempre perder para os lobbies e militâncias de quem ganha no curto prazo. Tais derrapagens acontecem pela via de leis permissivas e de controles fracos. Quando tais comportamentos se tornarem politicamente inaceitáveis, as mudanças virão.
O sequestro de carbono pelas florestas resolveria o problema? Por que não há uma política séria de preservar – que é muito mais barato – do que reflorestar?
– Já não vivemos mais os dias de liberdade para depredar ou até de estímulos fiscais para isso. Atualmente, o marco legal é bastante satisfatório e há punições para os recalcitrantes. Porém, em um país do tamanho do nosso, fazer funcionar essa máquina de monitoramento e de punições legais não é nada fácil. Agrava-se a situação quando alguns governos fazem vistas grossas. No Centro-Sul, as leis são cumpridas, até com exagero. Mas o país é grande. E nas regiões em que há mais desmatamento ilegal, o acesso é precário. O lado positivo é que, de meio século para cá, o ritmo de desmatamento vem caindo de forma bem impressionante – apesar de algumas recaídas.
Informações: O Eco.