Como a milenar planta asiática está entrando em projetos no Brasil, um mercado global que movimenta US$ 68 bilhões por ano
Era a virada do milênio, ano 2000, quando Guilherme Korte, recém-formado em jornalismo, recebeu uma proposta para ser repórter internacional na China. Sem hesitar, como em todo começo de carreira, ele aceitou cobrir a economia chinesa, mas outra pauta chamou sua atenção chegando lá: a utilização do bambu na indústria.
O bambu (Bambusa vulgaris) é uma planta da família das gramíneas, de origem asiática, e historicamente plantado de forma abundante naquele país. “Apesar de ser um material de uso milenar, culturalmente integrado à sociedade, o uso do bambu como elemento estrutural e industrial era uma novidade na época, na China. Então, comecei a escrever muito sobre isso”, conta Korte em entrevista exclusiva à Forbes. Depois de quatro anos ele voltou para o Brasil, mas não para o jornalismo.
O contato com o bambu na China fez Korte se lembrar dos tempos que viveu em Mato Grosso, nos anos 1980, e acompanhou o desenvolvimento da atividade agrícola na região. Então, pensou: “por que não se dedicar à produção da planta?”.
“Como eu já tinha tido esse contato com o agro antes, voltei para o Brasil e comecei a fazer pesquisas sobre a produção de bambu. Viajei para 20 países, estudei e fundei a Abrafibras”, diz. Abrafibras significa Associação Brasileira da Industria e dos Produtores de Bambu e de Fibras Naturais, entidade fundada por ele em 2014, em São Paulo.
Como nasce uma associação para o bambu
“O governo precisava de uma entidade para acompanhar os gastos com estudos sobre o bambu. Então, criei a associação”, afirma Korte. Ele também cuida de um viveiro de bambu em uma propriedade de sete hectares em Tatuí, na mesma linha.
A iniciativa do jornalista tem um fundamento econômico. O bambu hoje atrai setores da indústria, especialmente a construção civil, no segmento de residências sustentáveis, decoração e a indústria de papel e embalagens. Não fica de fora o setor de bioenergia, que precisa de fontes renováveis, como a FS Fueling Sustainability, antiga FS Bioenergia, biorrefinaria mato-grossense que produz etanol, farelo, óleo e energia elétrica, fundada em 2017, e que faz parte do Agro100, ranking que lista as maiores empresas do setor com balanços publicados.
E aqui vai um fato curioso: as primeiras fábricas de papel no Brasil, em 1950, utilizavam o bambu como matéria-prima por causa da escassez de florestas homogêneas de pinheiros, árvores comuns no hemisfério Norte utilizadas para esse fim. Mas, logo a agroindústria do eucalipto começou a ganhar mais força.
De volta aos dias atuais, o mercado global de bambu movimenta cerca de US$ 68 bilhões (R$ 400 bilhões na cotação atual) por ano, segundo a Organização Internacional de Bambu e Rattan (INBAR), entidade chinesa fundada em 1997, dedicada à promoção do uso sustentável do bambu para o desenvolvimento sustentável.
De olho no Brasil, em 2024, as importações de produtos de bambu do país aumentaram 30% em relação a 2023, ultrapassando US$ 42 milhões (R$ 247 milhões), segundo dados o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços pela consultoria do Centro Brasileiro Inovação e Sustentabilidade (CEBIS).
Bambu vira fonte de energia na FS Bioenergia
Com mais de 200 milhões de anos e algo em torno de 1.300 espécies identificadas, o bambu ocupa 3% das florestas globais. O Brasil possui 230 variedades da planta, e abriga a segunda maior floresta nativa de bambu do mundo, de até 4,5 milhões de hectares, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Apesar de não haver dados oficiais exatos sobre a área de bambu cultivada no país, Korte afirma que são 80 mil hectares, sendo 50 mil hectares de plantios recentes. Os números devem ser atualizados em breve, já que a segunda publicação da Embrapa sobre a planta está em preparação e deve ser lançada em meados de 2025. O livro é uma continuação da obra “Bambus no Brasil: da biologia à tecnologia”, publicada em 2017.
Segundo Korte, para fins de produção energética, o bambu vem sendo cultivado nos estados do Maranhão, Mato Grosso do Sul, Bahia e Paraná. É uma nova forma de aproveitamento, além da construção civil. Não por acaso, 12 mil já foram plantados para serem utilizados nas usinas de geração de energia de biomassa da FS Fueling Sustainability, primeira usina de etanol 100% de milho do Brasil. A empreitada do bambu começou em 2019, em Diamantino, a 200 km de Lucas do Rio Verde, onde está a sede da empresa, e teve investimento inicial de R$ 170 milhões.
A empresa começou arrendando 3 mil hectares de terras com algum tipo de degradação. “Foi um experimento inicial, mas ficamos muito animados com os resultados. O bambu é forte, resistente e não sofre ataques de pragas como o eucalipto”, diz Daniel Lopes, vice-presidente executivo de sustentabilidade e novos negócios da FS Fueling Sustainability.
Depois da colheita, o bambu vai para um armazém que recebe todas as outras biomassas que a empresa utiliza para gerar energia, como caroço de algodão e de açaí, bagaço de cana e casca de arroz. “Misturamos cerca de 50% de eucalipto, 20% de bambu e 30% de outros resíduos na caldeira, queimamos e o vapor gerado cozinha o milho e seca os grãos”, diz ele. Em usinas nos Estados Unidos, por exemplo, esse processo é feito com gás natural, combustível fóssil nocivo ao meio ambiente.
Apesar do eucalipto ser a matéria-prima principal da queima, para Lopes, depender somente da árvore pode ser um desafio para o crescimento da produção do etanol de milho. “Se não plantamos eucalipto há 6 anos, não teremos biomassa disponível para gerar vapor. Aí entra o bambu com o seu ciclo curto, de três anos no primeiro corte, e depois dois nos anos subsequentes”, diz ele. O bambu também se destaca por perder 50% da sua umidade em 15 dias, enquanto o eucalipto leva 120 dias.
Outro fator que chamou atenção de Daniel foi o crescimento da planta antes e depois dos cortes. “O bambu não para, é quase que uma praga porque você corta e ele cresce mais forte”, brinca. O custo menor também foi considerado, já que da produção à colheita, a espécie asiática gera uma economia de 10%, comparada ao eucalipto. Vale lembrar que a planta não exige um solo específico para cultivo e necessita apenas de quantidades de chuvas acima de 1.200 milímetros anuais.
Por enquanto, para a FS Fueling Sustainability, os 12 mil hectares plantados de bambu, que tem duração média de 50 anos, são suficientes para fomentar de 25% a 30% da matriz de biomassa. Por isso, não há planos de expansão para a receita adotada, que por ora está equilibrada. No entanto, a empresa quer se tornar a primeira usina a produzir etanol de milho carbono negativo, e manter a geração de energia de biomassa a partir do bambu é um começo promissor.
O cultivo do bambu vai crescer no Brasil
Quanto ao potencial do bambu para a indústria, não será necessário esperar a virada do próximo milênio para que ele seja reconhecido. O plano estratégico para o setor no Brasil prevê um aumento de 20% na área de cultivo até 2026 e a meta de alcançar 12 milhões de hectares sob manejo sustentável até 2035, segundo dados da INBAR.
Para Korte, a produção da espécie asiática no Brasil deve crescer nos próximos anos, impulsionada pela mecanização da colheita, o custo de produção mais barato e as inúmeras possibilidades de uso. “O Brasil é considerado o país com maior potencial de fornecimento de fibra de bambu. Na China, a produção ainda é muito manual. Desse jeito, vamos exportar para lá”, afirma.
Korte já deu o primeiro passo. Em dezembro, ele enviou para a China amostras genômicas de oito espécies de bambu para serem estudadas em um projeto de substituição de plástico naquele país. Esse passo é importante, mas ele ressalta que o foco precisa ser, primeiro, o mercado interno, principalmente para atender o setor de energia de biomassa e de construção sustentável.
Segundo Korte, esse é um caminho sem volta. “Em função do desenvolvimento de tecnologia na colheita, há cada vez mais empresas interessadas nessa matéria-prima. O bambu vai deslanchar”, afirma.
Informações: Forbes.