Artigo de Sebastião Renato Valverde[i], Aléxia Penna Barbosa Diniz[ii] e Gabriel Browne de Deus Ribeiro[iii]
Apesar de toda riqueza em biodiversidade, recursos minerais e hídricos, extensão territorial agricultável e clima livre de cataclismas como terremotos, furacões e tsunamis, tem faltado competência no Brasil para transformar estas potencialidades em bem-estar para a sociedade. Por isso ele continua sempre em desenvolvimento e tratado como “país do futuro”, porém hibernando em “berço esplêndido”, já que o tal “futuro” há décadas virou passado.
Países com muito menos recursos e castigados por adversidades são melhores em qualidades de vida, tais como os nórdicos Finlândia, Suécia e a Noruega, o Japão, o Canadá, entre outros, que sofrem com catástrofes, invernos rigorosos e relevos íngremes. A competência que sobra para os gestores políticos de lá em superar as adversidades, falta nos de cá em aproveitar as benesses.
Um forte obstáculo para o crescimento do Brasil é sua burocracia repleta de cipoais de legislações ambiental e trabalhista e nas amarras das políticas tributária e fiscal que só contribuem para o avanço da desindustrialização que, apenas na década de 2010, a participação da Indústria no PIB sofreu uma redução de 33%. Exceto em agroindústria e celulose, os investimentos em novas indústrias têm sido pífios.
No âmbito político, as indústrias sofrem com as batalhas de narrativas evasivas entre capital e trabalho. Discussões que alimentam o distanciamento entre estas duas forças, quando, na verdade, o País precisa de união para alcançar um denominador comum entre ambas, dado que não são mutuamente excludentes e nem totalmente imiscíveis. Uma guerra de narrativas bipolar etérea que só dificulta o avanço da economia brasileira.
Empreender no Brasil é um desafio enorme, a começar pelo processo de abertura de empresa. É difícil abrir. Abrindo, fica difícil de manter. Mantendo, é fácil falir e complexo e oneroso de fechar. Muitas vezes, “nem tendo as manhas e nem com a ajuda de profissionais não entra não” porque a chance de sobreviver é pequena. O país não é para amadores. O que se tem é uma competição pela sobrevivência do negócio, tentando ir contra todas as possibilidades de fechamento e fracasso causadas pelas dificuldades inerentes ao país.
Além das barreiras tributárias – taxação de país da Europa em contrapartida de serviços públicos próximos dos da África -, observa-se ainda as alternâncias na governança do País dificultando o empreendedorismo, tornando-o um ato de teimosia. Se é ruim para empreendimentos em geral, pior para os de longo prazo como os florestais que vivem na gangorra da insegurança política, tributária e, principalmente, fiscal dado os juros mais estratosféricos do mundo a ponto de inibir qualquer investimento e mais ainda na produção florestal, haja vista que as taxas de retorno dela estão próximas das de aplicações financeiras de baixo risco, como a poupança, diferente das de alto risco dos projetos florestais.
Para tal investimento de longo prazo, tem-se a incerteza de um futuro político-institucional que não vê com tanta clareza a necessidade de planejamento e de apoio do setor. As condições naturais ideias para o desenvolvimento da atividade florestal por vezes não é suficiente para investidores quando comparado a insegurança que permeia as atividades de silvicultura no tocante a política florestal – que é usada de forma a deturpar o que se espera de uma política florestal vindo do aparelho estatal.
Exceto as indústrias florestais, nenhum produtor tem investido em novos plantios mesmo quando o preço da madeira atinja valores exorbitantes. Em nível de produtor independente, o investimento em florestas só ocorre se a atividade for derradeira na região e que ele consiga agregar valor à madeira, caso do carvão em Minas Gerais. Ao revés, só se o produtor for masoquista ou altruísta.
É graças ao carvão que as regiões montanhosas de minifúndios (Zona da Mata Norte e Rio Doce) e as secas no norte de Minas Gerais conseguem viabilizar a atividade no meio rural. Indubitavelmente quando o preço do carvão supera o break even point – em trono de R$250,00/mdc – o carvão vegetal remunera mais que muitas atividades agropecuárias. Imagine então o quanto ele remunerou quando atingiu valores próximos de R$500,00/mdc em 2022? Só que, mesmo com esta alta que teve o preço do carvão, os produtores que investiram na silvicultura em 2008 para cortar em 2015 foi só em 2018 que eles viram os preços superarem os custos. Mas, ai já era tarde. Três anos amargando prejuízos, aqueles que acreditaram em “plantar uns eucaliptos que é para modo de ficar rico” traumatizaram de forma que não o plantarão nem que a madeira valha ouro.
E se está difícil para os empreendimentos florestais em geral https://www.maisfloresta.com.br/as-pedras-edificantes-da-silvicultura-brasileira/, quiçá para os segmentos da cadeia do carvão vegetal, como das siderúrgicas (ferrogusa e aço) e das metalúrgicas (ferroligas e silício metálico).
Se já é um ato de resistência para os empreendedores em geral no Brasil, para estes é mais que isso, é de heroísmo rebelde. Como produzir frente a todos os obstáculos acima e, mais ainda, produzir ferrogusa, aço, ferroligas e silício metálico usando carvão vegetal contra o restante do planeta que o polui com o mineral. Algo surreal, enigmático, sobrenatural, dado a concorrência desleal para com o mineral que é importado, poluidor e que tem a comercialização internacional facilitada com crediário a juros baixos. Sem citar que não sofrem as penalidades das legislações ambientais e do código florestal.
Se há algo que Deus duvida é esta concorrência do carvão vegetal com o mineral. Como pode o vegetal concorrer com o mineral que, mesmo tendo, aproximadamente, o mesmo PCI (Poder Calorífico Inferior), tem o triplo da densidade do vegetal, tem mais Carbono Fixo – sem se preocupar com a curva de carbonização da madeira -, ser o mais abundante mineral na Terra que, embora não renovável, quando pensa que acabará daqui a 200 anos, brota para mais 200.
Enquanto um (mineral) nasce pronto, basta extrair, o outro (vegetal) tem uma odisseia pela frente de quase 8 anos que vai dos 7 do plantio à idade ótima econômica de corte mais os meses de secagem depois de cortado e o de carbonização e transporte até a indústria. Transporte este feito 100% no modal rodoviário em containers/gaiolas ou em sacarias com os motoristas tendo que fazer malabarismo nas estradas para não tombar. E quando o transporte é em sacaria, aí os motoras são ninjas transportando cargas altas e trapezoidais. Qualquer vacilo, tomba na certa. Por outro lado, o mineral viaja tranquilo no balanço sonolento das marolas oceânicas e nos trilhos dos trens.
No que refere as emissões de GEE, enquanto o uso do carvão mineral emite 1750kg de CO2 por tonelada de gusa produzido, usando o vegetal há sequestro de 1848 kg de CO2. Apesar deste bônus ambiental para o planeta, o gusa “verde” não recebe qualquer sobrepreço no mercado e até então, nem preferência. Mas, tudo indica que em breve, pelo menos, preferencia ele terá. Quem sabe isso aliviará o ônus burocrático sobre a cadeia produtiva do carvão vegetal?
Não querendo fazer deste texto um “muro das lamentações”, mas é impossível não lamentar. Estes atores da cadeia do carvão vegetal sempre foram relegados, desde o trabalhador nas plantações florestais, passando pelo cortador da madeira, do carbonizador, transportador até o siderúrgico/metalúrgico. Imputaram neles a culpa pelos desmatamentos e o consumo do carvão de mata nativa. Culpa esta imprópria haja vista que não faz o menor sentido desmatar para fazer carvão, pois quem viveu, se é que ainda há quem viva do carvão de nativa mataria a “galinha dos ovos de ouro” se dela sobrevive vendendo os ovos.
Provavelmente diante de tanta pressão de órgãos e ONGs, alguns destes atores da família do carvão desistiram da atividade por não terem suportado sentimento de culpa injusto pelo desmatamento e, pior, ainda para aqueles que foram para o outro “plano da vida” carregando esta injustiça. Excesso de perseguição e preconceitos por usar este biorredutor. Quantos foram massacrados em audiências públicas e tiveram suas imagens expostas até em “lista suja”. Quantos tiveram que passar pela humilhação de responder processos na justiça e alguns sendo recluso, vítimas desta cultura carcerária impregnada no País.
Para os que ainda peregrinam na atividade saibam que algumas das Unidades de Conservação mineiras só existem porque outrora foram fazendas produtoras de carvão. Vide o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB) em Araponga na Zona da Mata. Certamente se tal fazenda fosse de pecuária, o PESB não existiria nem em pensamento. A não ser que vaca comesse pau. Da mesma forma, o PESB também não existiria se fizesse carvão com capim.
O fato é que os desmatamentos ocorreram e ocorrem, até de certa forma à luz da lei, para expansão da fronteira agrícola e que a tal lei que autoriza desmatar impõe a destinação econômica da madeira desmatada. Na maioria das vezes, o único destino desta era carvão vegetal. Entretanto, devido o histórico de perseguição dos órgãos ambientais, as empresas nem de graça o querem, mesmo que lícito. Ficando os produtores que tiveram autorização para desmatar sem ter como cumprir a obrigação legal da destinação econômica da madeira.
É tão raro encontrar alguém carbonizando com madeira de nativa, mas encontrando, não significa punir com poder de polícia. Há que saber se foi madeira oriunda de desmatamento ou manejo, autorizado ou não. Se autorizado, nada de errado. Se não, há que se avaliar se é problema de política ou de polícia. Considerando que em geral não se desmata para carbonizar, mas sim para agricultar, então se está desmatando só para carbonizar, tem que averiguar se é por motivo de sobrevivência pela crise socioeconômica persistente do país, não necessitando punir quem já vive punido socialmente. Se for problema de polícia, aí sim, todo rigor da lei é pouco.
Os atores do carvão que sobreviveram até aqui é porque são brutos mesmo, raízes. Foi por força própria, não por apoio público. Na verdade, pelo poder público foram expostos a própria sorte num cenário de juros altos, cobranças de taxas florestais questionáveis, dependências de autorizações dos órgãos para corte e transporte da madeira de plantações – embora para outro fim que não o carvão, o novo código florestal impôs apenas a comunicação ao órgão e não a autorização deste – e, reforçando, concorrendo deslealmente com o carvão mineral. Foram submetidos a própria sorte, soltos aos leões tendo que, por força de expressão, “matar um leão por dia”.
A esta sobrevivência num ambiente institucional totalmente inóspito e tendo que concorrer com seus similares internacionais da cadeia do carvão mineral, impõe afirmar que o problema do desenvolvimento do Brasil está mais na seara pública do que na privada. Ou seja, mais uma vez pontua-se como a atuação estatal é vista como uma preocupação do que uma fonte fomentadora.
Não se quer esconder nesta matéria os problemas que ainda persistem na produção, sobretudo do próprio carvão vegetal, e nem santificar os atores desta cadeia produtiva. Muito se evoluiu no processo de carbonização e nos fornos que, embora rústicos, foram automatizados com controles via supervisórios.
Cabe citar a evolução nos fornos retangulares com operação totalmente mecanizada em nível de médio e grandes produtores e a revolução na produção nos fornos fornalhas em decorrência do apoio do Projeto Siderurgia Sustentável em nível de pequenos produtores. Não pode deixar de mencionar as expectativas com relação as tecnologias disruptivas da carbonização via os reatores vertical e horizontal. Entretanto, ainda persiste no campo certa insalubridade na carbonização onde não se conseguiu a mecanização. Inclui-se também as operações de carga e descargas dos caminhões. São desafios que os persistentes professores e técnicos não se cansam de buscar a solução. Típicos brasileiros que não desistem nunca. A eles todo o respeito por jamais terem acreditado de que o uso da biomassa como fonte de energia era coisa de país pobre.
Vendo hoje a importância que o mundo dá a biomassa florestal, não imagina que a cadeia do carvão vegetal foi nocauteada e quase se sucumbiu com a crise financeira global de 2008. É motivo de orgulho vê-la se transformando de vilã para ser a cereja do bolo da siderurgia/metalurgia. Para quem no passado não queria a própria imagem atrelada a do carvão, hoje que estar na foto com ele. Os governos, federal e estaduais, precisam enxergar este diferencial da cadeia e apoiar e promover os produtos dela como o gusa, o aço, as ferroligas e o silício metálico para o mundo, pois o país é único e não tem competidores a altura.
Para finalizar, é paradoxal agradecer a cadeia do carvão vegetal por não ter cumprido as exigências absurdas dos artigos do velho código florestal de 1965 e da lei 5106/1966 que impunha o auto-abastecimento que só serve para distorcer e tornar ainda mais imperfeito o mercado de madeira. Se há mercado florestal tendendo a competição perfeita e que torna mais justo o preço da madeira deve-se ao carvão vegetal. Do contrário, predominaria o trágico monopsonismo.
Enfim, o país deve reverências aos atores do carvão vegetal por terem resistido e sobrevivido as ingratidões e obstáculos. Vocês sim, são os super-heróis, os verdadeiros “Homem de Ferro” ou, a caráter, os homens dos ferros (gusa e ligas) e do silício metálico. Enquanto o Tony Stark foi, apenas, um mero personagem das telinhas.
[i] Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), valverde@ufv.br.
[ii] Alexia Penna Barbosa Diniz, Bacharela em direito pela Universidade Federal de Viçosa e mestranda no DEF/UFV, alexia.diniz@ufv.br.
[iii] Professor Adjunto do Departamento de Ciências Florestais e da Madeira da Universidade Federa do Espírito Santo (DCFM/UFES), gabriel.d.ribeiro@ufes.br.