Dados do observatório europeu Copernicus mostram intensidade do fogo, que gerou nível de CO2 atípico para primeira metade do ano

No primeiro semestre de 2024, o Brasil teve o maior índice de emissões de CO2 causadas por incêndios florestais e queimadas nos últimos 20 anos, de acordo com o acompanhamento do observatório europeu, Copernicus. Antes mesmo de se completarem os primeiros seis meses do ano, o país já emitiu 81,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente (t/CO2e), cerca de 22 megatoneladas de carbono, um padrão não registrado pelo sistema desde 2005.

O estado de Roraima sozinho foi fonte de cerca de um quarto destas emissões. Segundo dados europeus, até o mês de maio as queimadas no estado haviam gerado 19,8 milhões de t/CO2e. O mês de junho, marcado por incêndios no Pantanal, já contabilizava 20,7 milhões de t/CO2e até o dia 19, data limite para os dados aos quais Um Só Planeta teve acesso com exclusividade.

Segundo especialistas brasileiros, o norte amazônico, prejudicado pela seca de 2023, ficou exposto de forma anormal ao fogo espontâneo da floresta, o que aumentou a ocorrência de incêndios. O dado ajuda a explicar por que, mesmo com a queda do índice de desmatamento, as queimadas afligem a Amazônia. O sul do bioma é a região tradicionalmente mais exposta à exploração da terra.

“Não é a primeira vez que Roraima tem os maiores índices de ocorrência de incêndios do bioma. Isso aconteceu em 2007, um evento forte de [fenômeno climático] El Niño. O estado tem uma das maiores áreas contínuas de vegetação de cerrado e também de floresta de transição no bioma amazônico, que normalmente já são mais inflamáveis do que as florestas densas que ocorrem no restante da região”, observa Henrique Pereira, professor titular da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), no Departamento de Ciências Fundamentais e Desenvolvimento Agrícola.

No prognóstico do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) para este inverno, deve haver chuvas acima da média em Roraima, porém em outras partes do Norte espera-se uma forte temporada de estiagem, que pode atingir até 150 mil famílias no estado do Amazonas, em previsões iniciais.

Emissões de CO2 equivalente geradas por queimadas no Brasil em primeiros semestres. — Foto: MapBiomas/Editora Globo
Emissões de CO2 equivalente geradas por queimadas no Brasil em primeiros semestres. — Foto: MapBiomas/Editora Globo

Um semestre “fora da curva”

O primeiro semestre de 2024 vem sendo considerado “fora da curva” por especialistas, e desde fevereiro já dava sinais de uma emissão alta advinda de queimadas e incêndios florestais. Naquele mês, Roraima teve, segundo dados do Inpe, 2.001 focos de fogo, número 12 vezes maior do que o do mesmo mês em 2023.

Agora em junho, a explosão dos incêndios no Pantanal levou o país à liderança mensal do ranking de queimadas na América do Sul. O mês, mesmo não contabilizado inteiramente, é o de maior nível de emissões do ano, no monitoramento do Copernicus. O período coincide com o início das queimadas no Pantanal, que nesta semana fizeram o estado do Mato Grosso do Sul decretar situação de emergência.

“No Cerrado, a seca chegou bem mais cedo e no Pantanal está muito antecipada, era para estar úmido ainda naquele bioma”, analisa Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Na Amazônia, a pesquisadora lembra da hipótese que pode acontecer com o início do fenômeno La Niña, previsto para setembro, o que poderia adiantar o período chuvoso. Historicamente, o segundo semestre costuma ter uma incidência maior de incêndios florestais no Brasil.

“Geralmente começa a chover em outubro na amazônia, mais ao sul, e com La Niña pode antecipar um pouco, para o começo do mês. Espero que isso aconteça, mas isso não vai afetar agosto e setembro, que são os períodos mais quentes de temperatura e focos de incêndio na Amazônia, Cerrado e Pantanal.”

— Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam

Emissões oficiais do Brasil ignoram incêndios florestais

O impacto das emissões de incêndios florestais é considerado neutro pelo governo brasileiro em relação às emissões oficiais do país de gases de efeito estufa. Isso porque o método utilizado considera que a mata, após a queimada, se recupera e assim reabsorve o CO2 eliminado. Contudo, a influência da mudança climática sobre os biomas vem alterando dinâmicas naturais de uma forma que merece atenção, avaliam especialistas.

“A gente entra em um processo em que as condições para que incêndios florestais acabam sendo mais frequentes e não dá tempo para a vegetação se recuperar entre um fogo e outro”, afirma Alencar. “Isso quer dizer que estamos tendo emissões consideráveis por incêndios sobre uma vegetação que não consegue se recuperar a tempo, um indicativo de mudança climática.”

Sobre o tema, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima afirmou em nota que “quando incêndios atingem vegetação nativa e não há conversão do uso da terra — ou seja, quando o fogo não é seguido de desmatamento —, a área afetada irá se recuperar e as emissões causadas pela queima da biomassa serão removidas. Apesar dos impactos do fogo para a vida humana e a biodiversidade, o desmatamento é mais preocupante do ponto de vista de emissões”.

Incêndios mais frequentes no mundo

Estudo publicado nesta segunda-feira (24) no periódico científico Nature Ecology and Evolution aponta um crescimento da incidência de incêndios florestais no planeta, sendo os últimos sete anos os mais intensos. A frequência de eventos extremos aumentou 2,2 vezes de 2003 a 2023, apontam os pesquisadores da Universidade da Tasmânia, na Austrália.

“Embora a área total queimada na Terra possa estar diminuindo, nosso estudo destaca que o comportamento do fogo está piorando em várias regiões – particularmente nos biomas de coníferas boreais e temperadas – com implicações substanciais no armazenamento de carbono e na exposição humana a desastres de incêndios florestais”, afirma a equipe de autores.

Informações: Um Só Planeta.