Presidente da AMIF comenta sobre impactos diretos e indiretos na economia do estado, causados com a chegada do aço com valor abaixo do mercado nacional; Instituto Aço Brasil diz que “não há no cenário, qualquer sinal que permita prever melhora nos próximos meses”
No último ano, diante da desaceleração da economia de países asiáticos, o Brasil recebeu uma grande oferta de aço produzido principalmente na China com valores abaixo do mercado nacional. A entrada e a comercialização deste grande volume tem impactado significativamente o setor siderúrgico do país, uma vez que ao ser importado com alíquotas vantajosas frente a outros mercados, como europeu e norte americano, o custo final do produto chega com valores bem reduzidos, quando comparados ao aço nacional que possui um cabedal de obrigações e encargos que os concorrentes não possuem. Isso tem levado a uma preocupante redução na produção do aço e do ferro gusa no país, ocasionando consequentemente reduções expressivas no número de empregos no setor, bem como de Minas Gerais – líder nacional – afetando diretamente a economia do estado.
O estado abriga empresas como ArcelorMittal, Aperam, Vallourec, Gerdau e Usiminas, por exemplo, grandes players do segmento. Os impactos atingem principalmente as cadeias produtivas diretamente interligadas a produção do aço, como a de carvão vegetal e florestas cultivadas e seus desdobramentos econômicos e sociais.
É notória a dedicação da indústria nacional em projetos de descarbonização e compliance para entregar um produto final especializado, seguro e com performance garantida, atendendo todas as múltiplas exigências legais e tributárias. Na contramão, uma boa parcela do aço importado está trazendo consigo uma carga “invisível” e preocupante que serve de alerta para os consumidores e governos nacionais: uma forte emissão de carbono em sua produção e transporte até o Brasil, aliado as públicas condições questionáveis de trabalho utilizados no processo produtivo.
Segundo especialistas do tema, para lidar com essa situação, é necessário que o governo adote medidas de proteção à indústria nacional, que controlem com inteligência a importação de aço, bem como medidas já conhecidas e indicadas pela Organização Mundial de Comércio para melhor controle do fluxo de produtos em fronteiras – práticas já adotadas por outros países em situações semelhantes. Além disso, manter investimentos em tecnologia e inovação, agregados à sustentabilidade, são fundamentais para aumentar a competitividade do setor no longo prazo.
Diante de uma grande oferta de produção, é compreensível a movimentação dos países asiáticos para escoamento de seus produtos, porém, será determinante neste jogo a reação dos mercados internos destes para a retomada de um equilíbrio que torne mais saudável a relação e proporção do aço ofertado em nosso país.
O Mais Floresta (www.maisfloresta.com.br), falou com Adriana Maugeri, presidente da Associação Mineira da Indústria Florestal (Amif) e presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Florestas Plantadas do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), sobre como os impactos do aço importado mais barato no mercado, tem afetado socioeconomicamente a região e os segmentos do setor de base florestal do estado, detentor da maior área cultivada de florestas plantadas do Brasil.
O setor siderúrgico está suspendendo investimentos em produção no Brasil por causa da concorrência do aço da China, grandes empresas do setor já anunciaram efeitos sobre empregos. Com isso, produtores de carvão vegetal e de florestas de eucalipto também são afetados?
Sendo Minas Gerais um polo produtivo de plantio e produção de madeira, com a redução da demanda por aço nacional, houve uma queda na produção de carvão vegetal. Esta reação apresenta efeitos em cadeia, inclusive influenciando o preço da madeira em pé, até em outros estados.
Considerando que em MG a produção de carvão vegetal é prioritariamente conduzida por pequenos e médios produtores, a redução da demanda pelo produto, acarreta diretamente uma dificuldade em manutenção de suas estruturas e mão de obra.
Este cenário traz reflexos econômicos diretos nas economias de mais de 800 municípios mineiros que percebem uma redução na circulação de renda, advinda destes produtores que alimentam a dinâmica econômica local. Menos dinheiro circulando, maior déficit nas contas municipais e maiores os pedidos de ajuda destas localidades ao Estado e à União.
Quais medidas poderiam ser tomadas para arrefecer o panorama atual com o aumento da oferta do aço estrangeiro no mercado brasileiro?
A indústria brasileira vem se preparando para a produção de um aço mais sustentável com novos investimentos e expansões, teve a sua atualização de preço que estava defasado há anos, chegando a um valor equilibrado para o produto ofertado. A produção de carvão vegetal para utilização como bioredutor teve um cenário de aquecimentos nos últimos três anos, inclusive. Porém com a desaceleração econômica principalmente chinesa, surgiu uma situação desconfortável – e também perigosa para o mundo inteiro –, onde é preciso escoar sua produção que não é consumida pelo mercado interno.
É como se fosse um delicado jogo de tabuleiro. Não se trata de forma alguma de criar mecanismos que prejudiquem os países que estão exportando sua produção. Por exemplo, a China possui parcerias importantes com nosso país sendo inclusive o maior consumidor de grande parte de nossos produtos, por isso, questões de aumentos de alíquotas de impostos precisam ser bem avaliadas por entidades ligadas ao setor, junto ao Governo, para evitar atitudes “às cegas”. Podem temporariamente reduzir o desequilíbrio, mas podem na sequência apresentar efeitos colaterais mais danosos, inclusive.
Especialistas alertam que não estão disponíveis para o governo brasileiro apenas o aumento de alíquotas de impostos e estímulo de consumo interno, como “remédios” para este caso. O Brasil já vem fazendo esses estímulos de consumo internos nos últimos 50, 60 anos, e funcionam por um período pequeno, mas depois a “conta” do endividamento chega. Existem inúmeras formas de proteger com sabedoria a indústria nacional, não somente de aço que está enfrentando esta dificuldade.
Um dos exemplos do que vem sendo regulamentado na Europa, é a taxação de ajuste de carbono em fronteira, onde, de forma resumida os produtos importados que são maiores emissores de gases de efeito estufa que os produtos do país importador, são submetidos à taxações que promovam o equilíbrio de contas em suas emissões antes de sua entrada e disponibilização.
Em relação à produção de carvão vegetal no estado, qual o cenário atual no segmento, com o aumento da oferta do aço importado no mercado?
O que é necessário hoje não se trata de um protecionismo “seco e frio” da indústria nacional, como já vimos o Brasil fazer em décadas passadas. Entendo que o setor, bem como os outros ligados à siderurgia, fazem um pleito de concorrência leal. Não se compara a composição de custos do aço nacional e do importado, suas exigências e processos produtivos são diferentes. O custo Brasil é nosso cabedal de obrigações, que eles não possuem. É compreensível então, o custo deste ser menor que o aço brasileiro, mas a reflexão necessária, e que poucos têm na hora da decisão de compra, não somente do aço, é: considerando que não existe milagre produtivo, como este produto consegue chegar aqui no Brasil neste valor? O que está em jogo?
Vale ressaltar que produzir o aço verde, ou o aço mais sustentável, custa muito investimento (pesquisa, inovação, escala, especialização, desafios), tudo tem um alto preço, entretanto fico pensativa se a indústria que pleiteia por este aço, busca utilizar em seus produtos um aço com menor emissão de gases de efeito estufa, por exemplo, e com isso ofertar um produto final mais sustentável, se está disposta a pagar por esta conta que não é básica.
A opção pelo carvão vegetal no processo produtivo do aço, por exemplo, não é uma escolha pelo mais barato, longe disto. Hoje, ainda o carvão mineral é mais competitivo na maior parte das decisões, porém o que está em jogo não é mais somente o custo da matéria prima. É o valor agregado ao produto final que ela apresenta. Na sociedade cada vez mais exigente por produtos menos emissores, não é mais uma opção, é a escolha diferencial.
O setor
Segundo o Instituto Aço Brasil – entidade que representa as empresas produtoras de aço no Brasil –, a siderurgia emprega 127 mil brasileiros diretamente, alcançando 3 milhões de vagas se considerada toda a cadeia do setor e os empregos indiretos e induzidos. Ao todo, o país tem 31 fábricas em operação em 9 Estados, espalhados em 4 regiões do país – mais de 20 estão em Minas Gerais. Essa massa de trabalho garante força ao setor na mesa de negociações com o governo.
Cultura agrícola de florestas plantadas x produção de aço
A produção de florestas cultivadas em Minas Gerais tem um papel importante na promoção da sustentabilidade e no desenvolvimento econômico do Brasil. A produção de aço e a preservação das florestas são duas áreas distintas, mas se interligam para a produção do insumo do metal. Por exemplo, o setor siderúrgico pode utilizar madeira proveniente de florestas plantadas de forma sustentável para a produção de carvão vegetal, que é um insumo essencial na fabricação de aço, do ferro gusa e de ferro liga. Dessa forma, a produção florestal contribui para a manutenção e expansão das áreas florestais, ao mesmo tempo em que fornece em larga escala a matéria-prima para a indústria do aço em Minas Gerais.
Setor siderúrgico – Paralisações e demissões
Recentemente por exemplo, a Usiminas abafou o alto-forno 1 da planta de Ipatinga em virtude da crescente importação de aço, sobretudo, do mercado chinês, e em comunicado recente, informou que poderá em breve abafar o alto-forno 2. A Aperam postergou investimentos que faria em Timóteo. Já a ArcelorMittal prolongou a parada técnica programada para três usinas, incluindo a de Juiz de Fora. E a Gerdau realizou demissões e paralisou algumas unidades no País, sendo que, em Minas Gerais, apenas a de Ouro Branco está com produção normalizada.
Produção de carvão – Produção x mão de obra mais barata
Minas Gerais também é o maior produtor e consumidor mundial de carvão vegetal. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado responde por 87,7% do volume nacional. De acordo com a dirigente Adriana, mais de 80% da produção é consumida no Estado, por causa do relevante parque siderúrgico. O restante do que é produzido vai para outros estados, sendo utilizado tanto como fonte de calor quanto como biorredutor. Se a produção de aço diminui, automaticamente, empregos também, gerando um ciclo de desemprego e redução da circulação de renda nos municípios.
Setor base florestal – Impactos
No que diz respeito ao setor florestal, é preciso considerar a influência e impactos do aumento da oferta do aço chinês mais barato. Minas atualmente é o maior produtor de florestas cultivadas do Brasil, com 2,3 milhões de hectares e 1,3 milhão de reserva florestal de mata nativa conservada. Perante tamanha representatividade, a indústria madeireira é prejudicada em diferentes áreas, principalmente como fornecedora de madeira para produção de carvão vegetal, entre outras (embalagens, paletes, etc) cujas demandas podem diminuir devido à redução da produção no setor siderúrgico, impactando também nos empregos e economia local.
Exportações chinesas
Nas exportações, em 2023 a China exportou 90 milhões de toneladas de aço acabado – o maior desde 2016 – e o Brasil foi o sétimo principal destino dos embarques. Afetando mercados de CSN, Usiminas, Gerdau e outras produtoras locais, mais de 2,5 milhões de toneladas oriundas do país asiático, de um total de 4,4 milhões. Se somar produtos semiacabados, as usinas chinesas despacharam próximo de 3 milhões de toneladas ao Brasil – 60% do total que entrou no país.
Providências do governo
As medidas tomadas pelos produtores de aço engrossaram o pleito do setor por isonomia. Eles alegam que a concorrência com as fabricantes chinesas é desleal. As produtoras brasileiras, por meio do Instituto Aço Brasil, almejam como um das providências para análise, o aumento da alíquota de importação de aço de 9,6% para 25%, o mesmo percentual adotado por outros países como os Estados Unidos, visando proteger a indústria siderúrgica nacional.
As siderúrgicas e as indústrias que compram o aço travam guerra em torno do pedido de aumento da taxação do produto estrangeiro importado. De um lado, as produtoras afirmam que o aço da China vai “abocanhar” grande parte do mercado com preços predatórios, já as fabricantes de produtos de aço alegam que esse aumento vai prejudicar a cadeia produtiva e pode frear a industrialização do país.
Cinco produtos de aço que tiveram as tarifas de importação reduzidas em 2022 voltarão a pagar as alíquotas originais para entrar no país. O Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) aprovou a medida no início de fevereiro, em Brasília, atendendo parcialmente a pedidos dos produtores nacionais, que alegavam concorrência desleal.
Há dois anos, o governo rebaixou unilateralmente em 10% o Imposto de Importação de uma série de insumos industriais. Segundo a Gecex-Camex, a decisão representa uma recomposição. O órgão continua a analisar pedidos para restaurar a alíquota de outros produtos abrangidos pela redução das tarifas.
Os cinco produtos que pagarão mais para entrar no país são:
- Barras de ferro ou aço não ligado, a quente, dentadas, com nervuras, sulcos ou relevos, obtidos durante a laminagem, ou torcidas após laminagem;
- Tubos e perfis ocos, sem costura, de ferro ou aço, dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos;
- Tubos de ligas de aços, não revestidos, sem costura, para revestimento de poços;
- Tubos soldados, de seção circular, de ferro ou aço não ligado;
- Tubos soldados, de seção quadrada ou retangular.
Segundo a Gecex-Camex, o Imposto de Importação de um desses produtos subirá de 10,8% para 12%. A tarifa sobre dois itens passará de 12,6% para 14%. Para os dois produtos restantes, aumentará de 14,4% para 16%. O órgão não detalhou qual alíquota cabe a cada produto. Apenas ressaltou que as tarifas retornarão para a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul.
Ao Mais Floresta, o Instituto Aço Brasil informou que “durante todo esse período, foi demonstrado por que é necessário que se eleve, em caráter emergencial e temporário, a tarifa de importação de aço de 18 NCMs, de 273 existentes, para 25%, ante os 10,8% praticados atualmente para a maioria dos produtos. Restou comprovado que qualquer patamar inferior a esse é insuficiente para fazer frente ao ataque do aço estrangeiro, uma vez que grandes mercados, como Estados Unidos, 27 países da União Europeia, Reino Unido e México, já impuseram barreiras de 25%. Se o Brasil estabelece patamar menor, vai continuar sendo destino preferencial de exportadores de aço que adotam práticas desleais”.
“Com produção de 31,9 milhões de toneladas em 31 unidades em 2023 (nove das quais em Minas Gerais), a indústria de aço brasileira tem papel prioritário e estratégico no país, garantindo a segurança energética, alimentar e nacional. É constituída de empresas modernas, inovadoras e competitivas. Movimenta 3 milhões de empregos na cadeia, investe R$ 12 bilhões por ano em modernização e inovação, promove desenvolvimento, e paga mais de R$ 30 bilhões em tributos. Se não contida, a importação vai acelerar a transferência dessa geração de riqueza para outros países, mais usinas vão fechar, outros empregos serão eliminados e há grande risco de faltar aço.”
– Instituto Aço Brasil.
Investigação de Dumping
A pedido da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) abriu uma investigação na última sexta-feira (01/03) para apurar a existência de dumping – exportação de um produto a preço inferior ao de fabricação para conquistar fatia expressiva de mercado – de aço da China. A apuração pode durar até 18 meses. Leia a íntegra da circular (PDF – 5MB).
No documento, o governo informa que vai investigar se as exportações de folhas metálicas de aço carbono, ligado ou não ligado, de qualquer largura com espessura inferior a 0,5 mm causam danos à indústria nacional.
Previsões segundo a indústria
Segundo informa o Instituto Aço Brasil, a indústria brasileira do aço busca, desde meados de 2023, sensibilizar o governo sobre a crítica situação criada pela elevação das importações de aço, que têm acelerado devido a práticas comerciais predatórias e desleais por parte dos exportadores. Em 2023, as importações cresceram 50%, para 5 milhões de toneladas, ou 18,6% do consumo de aço do país.
Ao longo dos últimos meses, representantes do Instituto participaram de várias reuniões técnicas com representantes do governo, inclusive ministros de Estado, apresentando a realidade do setor e como as importações têm impactado a produção e a venda, levando as siderúrgicas a reduzir, de forma preocupante o uso de sua capacidade instalada para os atuais 60%. E não há, no cenário, qualquer sinal que permita prever melhora nos próximos meses.
Escrito por: redação Mais Floresta.